Capítulo publicado sob o título de “Pabst e o Holocausto” na Revista Vozes, número 2, ano 91, v. 91, mar.-abr. 1997, p. 129-147. Texto revisto, corrigido e ampliado.
Georg Wilhelm Pabst celebrizou-se, nos livros de história do cinema, pelo “realismo social” dos filmes que realizou durante a República de Weimar, associados ao movimento estético da Nova Objetividade. Ele é geralmente citado como o único exilado que retornou para trabalhar no ‘Terceiro Reich’. Pensava-se, de fato, que Pabst fosse um socialista engajado em políticas “progressistas”, tendo denunciado os horrores da Primeira Guerra; a solidariedade entre mineiros franceses e alemães; o caos do pós-guerra, aonde a miséria e a inflação conduziam os trabalhadores ao desemprego e as mulheres à prostituição.
Devido a esses engajamentos, confirmados pela divulgação fílmica da psicanálise de Sigmundo Freud e pela adaptação de uma obra de Bertolt Brecht, pensava-se que Pabst havia optado conscientemente pelo exílio em 1933, quando os nazistas tomaram o poder na Alemanha através da ação combinada do terror nas ruas, da propaganda em massa e da democracia representativa despreparada para sua destruição “por dentro”. Contudo, a preocupação social não era alheia ao nacional-socialismo: a denúncia das mazelas da sociedade não bastaria para alinhar ninguém nas fileiras da resistência, não significando uma automática oposição ao nazismo. Dentro do “realismo social” cabiam tanto os artistas comunistas ou simpáticos ao comunismo quanto os artistas nazistas ou simpáticos ao nazismo.
De origem proletária, filho de um ferroviário, nascido em Raudnitz, em 1885, Pabst sempre foi um espírito inquieto: bem jovem, ele foi para Nova York com o objetivo de tornar-se ator de teatro. Em 1914, voltou atravessando a França, onde foi surpreendido pela eclosão da Primeira Guerra. Foi internado por quatro anos como “cidadão inimigo” num campo de prisioneiros. Libertado, partiu para Berlim, onde se associou, como roteirista, ao veterano cineasta Carl Frölich, que mais tarde aderiria ao nazismo. Pabst tampouco era alheio aos discursos de fundo socialista difundidos pelo NSDAP: mesmo em seus primeiros filmes já podemos encontrar sinais de uma aproximação ideológica, como em sua obra de estréia como diretor aos 38 anos de idade.
Der Schatz (O tesouro, 1923)
Pabst realizou seu primeiro filme, Der Schatz (O tesouro, 1923), ainda no estilo do cinema expressionista, quando este estava em seu auge na Alemanha. Os personagens da trama são movidos por pulsões mesquinhas, tão avaros e cobiçosos que se destroem na busca de um suposto tesouro enterrado. O sineiro Svetocar Badalic (Albert Steinrück) vive com a mulher Anna (Ilka Grünig), a filha Beate (Lucie Mannheim) e o ajudante Svetelenz (Werner Krauss) numa velha casa no interior do bosque austríaco. Como era sabido, enterrado debaixo da casa haveria um tesouro dos tempos da guerra contra os turcos. Na calada da noite, secretamente, Svetelenz procura desenterrá-lo. Com mais sorte, o jovem ferreiro Arno (Hans Brausewetter) chega à casa, apaixona-se por Beate e encontra o tesouro. Sventelenz, Svetocar e Anna tentam descartar Arno para ficarem com todo o tesouro, ao mesmo tempo em que brigam entre si, roídos pela ambição. Cavam literalmente a própria cova, enquanto o jovem casal salva-se fugindo para um novo lar.
Em sua atmosfera e em sua unidade de ação, Der Schatz revela um diretor influenciado pelo cinema sueco e pela técnica do Kammerspiel: apenas cinco personagens desenham o conflito mortal. Lotte Eisner sublinhou também que, com a descoberta do tesouro, os personagens embriagam-se de alegria e de álcool, com a câmera de Pabst regalando-se na captação dos detalhes abjetos da euforia. Durante a fabricação do sino, os olhares assassinos do sineiro ganancioso e do ajudante invejoso fazem entrever como Arno poderia ser “acidentalmente” derretido nas ondas do metal fundido. A casa do sineiro aparece atarracada e estufada, como um monte fofo de argila sem fundações, já prestes a seguir seu destino. E quando o ajudante do sineiro (Werner Krauss) aventura-se na escuridão para apanhar uma varinha mágica capaz de detectar tesouros, galhos saem dos espinheiros como ossos de esqueleto sob o disco brilhante de uma lua de estúdio. Através de sombras projetadas nas paredes, Pabst mostra-nos como o ajudante arrasta-se no chão farejando ouro.
Os filmes do “realismo social”
Depois de realizar Gräfin Donelli (“A condessa Donelli”, 1924), filme considerado perdido[1], Pabst, como muitos artistas na Alemanha, aderiu à ideologia da Neue Sachlichkeit (Nova Objetividade) e “despertaram” do pesadelo expressionista para espiar “a vida como ela é”. Realizando alguns dos filmes mais exemplares do novo “realismo social”, Pabst lança a nova diva Louise Brooks com um novo estilo de atuação espontânea que parece superar a artificialidade das interpretações expressionistas. Seguindo a filosofia naturalista, sob a forte influência da psicanálise, Pabst pinta uma humanidade movida pelos baixos instintos, com seus personagens dominados por pulsões sexuais mórbidas e destrutivas. As paisagens imaginárias, os fenômenos paranormais, as olheiras filosóficas, os elementos sobrenaturais do expressionismo são substituídos por locações exteriores, pela visão nua e crua da realidade, pela análise científica da mente, pela psicoterapia eficiente.
O “realismo social” desses também chamados “filmes de rua” refletia um claro descontentamento com o regime republicano estabilizado: embora a grande inflação já tivesse sido controlada, o cinema abordava agora os desastres do passado recente. Enquanto os monstros de luz e sombra do expressionismo dissolviam-se na atmosfera dos dramas cotidianos, as atenções se voltavam para a denúncia da inflação, um “monstro” moderno, abstrato, invisível, mas onipresente e onipotente, escolhendo suas vítimas entre os pobres.
Se, por um lado, o nudismo da Frei-Körper-Kultur e a documentação da vida esportiva ao ar livre já triunfavam no final da República de Weimar sobre as máscaras sinistras, os pressentimentos funestos e as sombras anímicas que haviam povoado o universo do cinema expressionista, por outro lado nem tudo o que assombrava o mundo real era clarificado pelo realismo, que passou a realçar como um Ersatz para todos os mistérios, como um leit-motiv da imaginação assim empobrecida, a presença de fêmeas corruptas, cada vez mais fantasmagóricas, dominando certos nichos da sociedade.
Em Die freudlose Gasse (Rua das lágrimas, ou Rua sem alegria, 1925), através de suas ligações com a rua, o verdadeiro protagonista do filme, diversos personagens enfrentam, cada qual a seu modo, a inflação em Viena. Pabst descreve em tom de melodrama a catástrofe social que leva uma mulher (Asta Nielsen) à degradação e ao crime, e uma jovem (Greta Garbo) a prostituir-se por necessidade. O paralelo entre a carne vendida no açougue e a carne vendida no bordel realça o predomínio dos baixos instintos nos momentos de crise.
Com Geheimnisse einer Seele (Segredos de uma alma, 1926), Pabst realiza o primeiro drama psicanalítico “realista” do cinema, se considerarmos Das Cabinet des Dr. Caligari (O gabinete do Dr. Caligari, 1920), de Robert Wiene, como um drama “fantástico”. À diferença do filme de Wiene, o de Pasbt é pontilhado de símbolos fálicos, que procuram dar um caráter “realista” e psicanalítico ao drama do marido neurótico (Werner Krauss), tomado por uma fobia de navalhas, facas e espadas, fobia que o faz temer pela vida da esposa. Depois de relatar seus sonhos a um terapeuta, ele acaba devolvido à vida normal pelo sábio doutor. Na última cena, o paciente, postado diante de um panorama saudável e viril de montanhas, ao lado da esposa querida, segura um filho nos braços, revelando que sua impotência sexual havia sido totalmente curada.
Os bastidores da produção do filme traz uma história mais interessante que as fantasias sensacionalistas de Pabst em torno do processo da psicanálise. Hans Neumann, chefe da seção de Kulturfilme da UFA e responsável por algumas produções de prestígio, como Raskolnikow (1923) e I.N.R.I (1923), de Robert Wiene, o primeiro adaptado de Crime de castigo, de Dostoievski, o segundo reconstituindo a crucificação de Cristo[2], desejou realizar um drama contemporâneo inspirado em A interpretação dos sonhos (1899), de Sigmund Freud, que começava a interessar muitos cinéfilos. Para legitimar essa adaptação, Neumann pensou em conferir ao próprio Freud o papel de consultor técnico da produção.
Freud já havia rejeitado a proposta de Samuel Goldwyn que um ano antes lhe oferecera 100 mil dólares para a consultoria de diversos filmes de Hollywood que explorariam histórias de amor. Freud rejeitou igualmente a proposta de Neumann, duvidando das possibilidades de explicar os métodos da psicanálise por meio do cinema. Neumann contatou então diversos discípulos de Freud, e um deles aceitou a proposta: Karl Abraham, fundador da Sociedade Psicanalítica de Berlim em 1910 e então Presidente da Associação Internacional da Psicanálise.
Abraham escreveu a Freud a 7 de junho de 1925: “O plano para o filme é o seguinte: a primeira parte servirá como uma introdução e dará impressivos exemplos ilustrativos de repressão, inconsciente, sonho, ato falho, ansiedade, etc. A segunda parte apresentará uma história de vida do ponto de vista da psicanálise e mostrará o tratamento e a cura de sintomas neuróticos.” (A primeira parte acabou sendo suprimida do roteiro em favor de uma maior dramatização do tratamento psicanalítico do caso singular.)
Mesmo diante das restrições de Freud, Abraham continuou a insistir na necessidade de sua participação no projeto antes que algum aventureiro assumisse o lugar que lhe pertenceria de direito nessa produção. Mencionava os psicanalistas selvagens que abundavam em Berlim, citando nominalmente Kronfeld, Schultz e Hattingberg, e a atrativa oferta da participação de 10% sobre os lucros do filme. Um libreto de divulgação da psicanálise seria ainda escrito por Hanns Sachs para ser publicado pela Associação, produzido pela Ufa, para coincidir com o lançamento do filme.
Freud respondeu com mais desprezo, dizendo-se desconfortável com todo o “magnífico projeto”. Não acredita ser possível representar plasticamente seus conceitos abstratos, e apenas concedia a Goldwyn a mínima lucidez de pedir-lhe apenas uma consultaria em filmes de amor, aspecto da psicanálise que poderia ser bem representado. Mantendo suas distâncias do filme, Freud continuou, contudo, a acompanhar os progressos do projeto, até que a Ufa anunciou prematuramente seu apoio, favorecendo os rumores falsos de que ele supervisionava o filme.
A 26 de julho de 1925, o The New York Time noticiou que “a psicanálise será popularmente explicada através de um filme supervisionado e parcialmente dirigido pelo Professor Freud”. Freud se horrorizou com essa manipulação e protestou junto a Sachs que psicanalistas sérios não deviam se misturar com essa “gente de cinema”. Antes mesmo de ser lançado, o filme já cindia a sociedade psicanalítica: enquanto a revista da Associação publicava um artigo atacando o filme que nem havia estreado, os associados Storfer e Siegfried Bernfeld já estavam a escrever um roteiro para um novo filme psicanalítico. Freud decidiu, enfim, esfriar suas relações com Abraham e Sachs. O filme de Pabst abriu, assim, as portas do cinema para a vulgarização da psicanálise.
Para rodar Der Liebe der Jeanne Ney (o amor de Jeanne Ney, 1927), um filme que também apresenta forte influência da psicanálise na construção das personagens, Pabst baseou-se na novela de Ilya Ehrenburg, sofrendo, nas cenas que reconstituem a guerra da Criméia, visível influência de Sergei Eisenstein e Vsevolod Pudovkin. Na seqüência mais marcante do filme, o comerciante avarento tem um verdadeiro orgasmo ao abrir, na calada da noite, o enorme cofre de seu escritório e começar a contar e recontar, num ritmo cada vez mais frenético, todo seu dinheiro acumulado.
Em Die Büchse der Pandora (Lulu, ou A caixa de Pandora, 1929), Pabst baseou-se na peça Lulu, de Frank Wedekind. Aí, respeitáveis senhores deixam-se degradar irresistivelmente, sucumbindo ao fascínio corruptor de Lulu (Louise Brooks), uma mulher tão bela quanto inescrupulosa, e que termina sendo punida por seus pecados e “liberta” de suas libertinagens pelas mãos de Jack, o Estripador.
Tagebuch einer Verlorenen (Três páginas de um diário, ou Diário de uma garota perdida, 1929) é a crônica da decadência da filha (Louise Brooks) de um farmacêutico, excessivamente atarefado para cuidar da menina. Ela é seduzida pelo ajudante do pai e passa do orfanato à vendinha, da vendinha à casa de correção, da casa de correção ao bordel. Contudo, depois de casar-se com um milionário, a jovem perdida apresenta-se como uma dama da sociedade em visita ao orfanato, denunciando a injustiça dos tratamentos a que as meninas eram ali submetidas.
Em Prix de Beauté (1930), de Augusto Genina, escrito por René Clair e Pabst, a personagem de Louise Brooks sucumbe ao próprio narcisismo ao tornar-se Miss Europa. Conquistada pela fama ao ganhar o concurso, vive na alta roda, não suportando mais sua vida comum com o noivo André. Rejeitando a moral convencional do parceiro, que enlouquece de ciúmes, a jovem decai. Um dos primeiros filmes sonoros franceses, Prix de Beauté foi rodado no sistema silencioso, ganhando depois som quando o sonoro tornou-se popular. A voz de Brooks é dublada e suas canções cantadas por Hélène Regelly. A carreira de entrava precocemente em declínio devido ao seu alcoolismo.
Em Vier von der Infanterie / Westfront 1918 (Guerra, flagelo de Deus, 1930), soldados da infantaria alemã durante a Primeira Guerra nas trincheiras da França encontram diversão na aldeia atrás das linhas, mas sofrem sob o terror dos ataques do exército francês. Um deles, Karl, volta de licença a Berlim, ansioso em reunir-se com a esposa, mas ao chegar em casa encontra a esposa a prostituindo-se para sobreviver. Embora a mãe observe que a culpa é da guerra, ele não aceita a traição e retorna ao front, perecendo sob um ataque massivo dos franceses. O martírio do bravo soldado é contraposto à leviandade de sua esposa adúltera.
Kameradschaft (Camaradagem, 1931) passa-se numa velha mina alemã, dividida em duas com as novas fronteiras traçadas pelo Tratado de Versalhes. Quando ocorre uma explosão do lado francês, os mineiros alemães enviam uma equipe de salvamento: voluntariam-se três velhos mineiros que, por acaso, não haviam sido bem recebidos numa estalagem francesa na noite anterior. Eles tomam um caminho antigo usado desde 1919. Depois que todos são salvos, a camaradagem entre os mineiros franceses e alemães é celebrada numa grande festa. Mas a polícia de fronteiras fecha o velho caminho da mina. O filme somava-se às condenações de Versalhes que já tornavam popular o movimento nacional-socialista.
Die Dreigroschenoper (A ópera dos pobres, ou A ópera dos três vinténs, 1931) mostrava um casamento nas docas inspirado no casamento improvisado de The Docs of New York (As docas de Nova York, 1928), de Joseph von Sternberg; e uma organização de mendigos à maneira de M (M, o Vampiro de Düsseldorf, 1931), de Fritz Lang. Ainda durante as filmagens, Pabst e o produtor Seymour Nebenzahl foram processados por Bertolt Brecht e Kurt Weill por “deterioração do conteúdo ideológico e estético da obra”[3]. Mesmo assim, após esse filme, Pabst passou a ser chamado de “Pabst, le rouge” (“Pabst, o vermelho”) ou ainda “der rote Pabst” (“o Papa vermelho” – Pabst em alemão significa Papa), num mal entendido sobre suas reais posições políticas que perdura até hoje em certas análises críticas. Esse mal-entendido é reforçado pelo fato de que Pasbt, ao contrário da maioria dos cineasta nazistas, um homem culto e poliglota (falava perfeitamente alemão, francês, inglês e italiano), desenvolvendo uma carreira internacional e travando amizade com H. G. Wells, Maximo Gorki, Étienne de Saint-Éxupery, Sigmund Freud, Alfred Adler, Albert Einstein, Fritz Kreisler.
Die Herrin von Atlantis (Atlântida, 1932)
Em 1932 Pabst realizou Die Herrin von Atlantis (Atlântida, 1932), em três versões (francesa, inglesa e alemã), que dificilmente se enquadra na sua fase “realista”, constituindo uma estranha parábola sobre a “cidade perdida” de Atlântida, que não estaria submersa no oceano, mas enterrada como vasto labirinto nas areias do deserto do Saara. Dois expedicionários encontram, por acaso, a passagem secreta: o Capitão Morhange (Jean Angelo) e seu amigo Capitão Saint-Avit (Pierre Blanchar). Capturados e separados, eles recebem um tratamento de luxo, que inclui roupas limpas, fonte de água transparente que reluz como prata e até serviço de manicure. Essa Atlântida é governada com mão de ferro pela Rainha Antinéa (Brigitte Helm), mulher tão bela quanto misteriosa, cuja principal ocupação é escolher seus amantes.
Antnéa acaba de enlouquecer de amor frustrado um homem que se mata depois de tentar matar Saint-Avit (novo possível concorrente). O novo amor da Rainha é o Capitão Morhange, que a rejeita, desejando apenas reencontrar seu amigo Saint-Avit. Como Saint-Avit apaixona-se, por sua vez, por Antinéa, após jogar com ela – e perder – uma partida de xadrez, ele pergunta, em desespero de causa, ao Administrador de Atlantis (Wladimir Sokoloff): “Quem é Antinéa?”
O Administrador responde com uma metáfora: “Ela é Paris!”. Diante do espanto de Saint-Avit, ele conta a história de seu passado. Era um gigolô, amante de Clémentine (Florelle), dançarina de cancã num cabaré de Paris. Certa noite encontrava-se no camarote o misterioso Rei árabe de rosto encoberto. Ele se encantou com as nádegas de Clémentine e ofereceu-lhe um anel de ouro maciço cravejado de pedras preciosas. O casamento foi anunciado na imprensa: “O Rei casa-se com a rainha da dança”. O Administrador conclui a história de modo sarcástico, referindo-se a Clémentine como “Clémenti…néa”, sugerindo ser ela a mãe de Antinéa.
Depois de ser rejeitada por Morhange, a perversa Antinéa é visitada clandestinamente por Saint-Avit (que segue o faro da pantera de estimação da rainha), que não consegue esquecê-la. Antinéa promete então amá-lo se ele matar o amigo. Embora tenha passado todo o tempo de seu cativeiro a gritar por Morhange, tentando encontrar o amigo desaparecido, Saint-Avit não hesita assim que o reencontra em assassiná-lo pelas costas, dando-lhe marteladas na cabeça. Ao que parece, contudo, essas horrorosas aventuras vividas em Atlântida não teriam passado de um delírio de Saint-Avit, desmaiado de sede nas areias do deserto.
As únicas cenas interessantes de Die Herrin von Atlantis, um drama enfadonho ao extremo, mal dirigido e narrado, são as breves aparições de Brigitte Helm, a mulher maldita que, embora de “aparência ariana”, loira e de olhos azuis, é fruto de um “casamento misto” entre um árabe de suada tez escura e uma dançarina francesa de cabaré prostituída, em troca de poder e riqueza, pelo gigolô elevado a administrador do reino perdido de Atlântida.
A eminência parda do expressionismo e do Kammerspiel era o criminoso involuntário, o assassino serial, o sonâmbulo manipulado por um prestidigitador, o tirano das massas, numa prefiguração fantástica do ditador totalitário. Mesmo quando politizado à direita, com argumentos conservadores ou mesmo antidemocráticos, o expressionismo permanece revolucionário pelo seu caráter premonitório e sua estilização radical da forma. Já no “realismo social” o leit-motiv é a femme fatale, infiel e adúltera, prostituta e prostituída, decaída e corrupta.
A femme fatale que se torna cada vez mais o foco do “realismo social” torna-se um símbolo vivo assumindo, pela sua dimensão agigantada, o papel da “decadente” República de Weimar. Limitado em sua imaginação do futuro, arraigado em preconceitos de toda sorte, o “realismo social”, mesmo quando politizado à esquerda mostra-se incapaz de apreender as forças subterrâneas que sobem à tona para destruir não apenas a democracia, como as bases da própria civilização. A morbidez latente no “realismo social” contradiz sua mensagem retórica de reais ou supostas “preocupações sociais”.
Apresentando-se como proposta alternativa e igualmente revolucionária ao então mais temido comunismo para solucionar as complexas questões sociais (do desemprego em massa à saúde pública, da decadência da cultura à fragilidade da democracia), o nazismo trazia embutido em si projetos ainda mais sinistros de repovoamento da humanidade segundo critérios racistas, com militarização total da sociedade, destruição da paz entre as nações, eutanásia em massa para doentes mentais e campos de concentração e de extermínio para seus “inimigos objetivos” (principalmente judeus, mas também ciganos, homossexuais, Testemunhas de Jeová, criminosos comuns). No seu cinema, o nazismo baniu o expressionismo e o gênero fantástico, absorvendo o “realismo social” e adotando como estética oficial um realismo ainda mais cru, parcialmente inspirado no Naturalismo.
Don Quichotte (Dom Quixote, 1933)
Ainda na França, Pabst adaptou o clássico romance de Miguel de Cervantes em Don Quichotte (Dom Quixote, 1933). Quixote reunira uma centena de romances de cavalaria em sua velha casa. Essa coleção única acabou por inflamar-lhe a imaginação. Convencido de que devia lutar pela Justiça e pelo Bem, Quixote sai de casa para “salvar” uma estalajadeira que ele toma por sua suposta amada Dulcinea, “ameaçada” por moinhos de vento que ele imagina serem os “gigantes do Mal”. O ajudante Sancho Pança (George Robey) nada percebe da “grandiosa missão” de seu delirante amo. E os parentes de Quixote, cansados de suas patranhas, decidem, por fim, agir. Sob a solicitação do Duque (Miles Mander), um inquisidor retira todos os livros da casa do alucinado, fazendo com eles uma grande pilha e ateando fogo. A rica biblioteca de Quixote, considerada, nas palavras de Luciano Canfora, a “fonte de sua loucura”[4], é assim queimada, ardendo em chamas.
Pabst teria realizado Don Quixote para deixar ao mundo um registro da arte do lendário basso russo Feodor Chaliapin (1873-1938), que atuara numa versão muda de Ivan, o Terrível (1915), mas que, descontente com o resultado, afastou-se do cinema, só retornando neste filme, já no fim de sua carreira[5]. Pabst rodou três versões do filme, em alemão, inglês e francês, cada qual com seu próprio elenco de apoio. Na versão francesa, considerada pelos críticos a mais bem sucedida artisticamente, Dorville substituiu George Robey como Sancho Pança e Mady Berry, Emily Fitzroy como sua esposa. Pabst manteve nas três versões idênticos ângulos e movimentos de câmera. O roteiro original foi simplificado, reduzindo a saga do Quixote a nove “aventuras”, com uma canção de Dargomyzhsky e três das cinco escritas por Jacques Ibert.
Contudo, como o lançamento de Don Quixote coincidiu com a instalação do regime nazista na Alemanha, cabem algumas associações. O filme pode ser interpretado como uma aprovação das medidas radicais implantadas na Alemanha. A paródia do idealista que pretendia lutar pela Justiça e pelo Bem não passando, contudo, de um lunático, servia bem à causa nazista da repressão aos comunistas, então enviados a Dachau, primeiro campo de concentração, inaugurado a 22 de março de 1933. Na cena final, quando os inquisidores jogam os livros na fogueira e suas folhas crepitam, a câmara demora-se sobre as páginas chamuscadas, como a “gozar” o momento purificador e catártico. Essas imagens “fascinadas” de um auto-de-fé de livros, supostamente “necessário” à manutenção da ordem e da razão, evocam e justificam de maneira sinistra tanto o incêndio criminoso do Reichstag a 27 de fevereiro quanto o barbarismo da Bücherverbrennung de 10 de maio de 1933.
Le Drame de Shangai (O drama de Shangai, 1938)
Depois de uma passagem em Hollywood (1934-1935), onde realizou A Modern Hero (Moderno herói, 1934) e White Hunter (1935), Pabst voltou à França, aí rodando Mademoiselle Docteur (Espiã da Grande Guerra, 1936), sobre uma espiã no estilo de Mata Hari atuando em Salônica, estrelando Dita Parlo no papel que fora pensado, anos antes, na Alemanha, para Leni Riefenstahl, em projeto abortado por Goebbels; e Le drame de Shangai (O drama de Shangai, 1938), outro melodrama político passado em Xangai, mas com locações em Saigon.
Le drame de Shangai começa, como nos velhos filmes de Pasbt, com jovens ingênuas deixando um internato, sonhando em voltar para casa e reencontrar seus pais. Uma delas, Vera (Suzanne Desprès), recorda a mãe, Kay Murpy (Christl Mardayn), que vive em Xangai. O que ela não sabe é que a mãe se chama na verdade Natasha Serguinievna e é uma espiã que sobrevive como cantora de cabaré e prostituta de luxo.
Russa branca, rica, fugida da revolução comunista com seu ex-amante Ivan (Louis Jouvet), outrora um cavalheiro, hoje um perigoso agente da organização criminosa Serpente Negra, a serviço das elites dominantes na China, Natasha trabalha numa boate comandada pelo asqueroso Big Bill (Dorville): “Ele tem uma cara de presidiário”, comenta o jornalista Franchon (Raymond Rouleau). “Foi de onde ele saiu”, retruca seu amigo chinês. Big Bill adora estapear com toda a força os traseiros das coristas, que protestam enojadas.
Um dos chefes da Serpente Negra (Valéry Inkijinoff) tenta liquidar o carismático líder Tcheng (Linh-Nam), que inflama as massas dizendo o que o povo quer ouvir, atacando aquela organização criminosa e pregando a favor da “união nacional” contra banqueiros, empresários e generais que “querem a guerra”, enquanto ele só quer a paz, estando disposto a morrer por ela para que de suas cinzas nasça “uma China nova e forte”. Ele prega o boicote contra os industriais e conquista, sobretudo, os estudantes.
Nos jardins de uma mansão, maiorais da Serpente Negra ouvem pelo rádio o discurso inflamado e, temendo o pior, decidem eliminar Tcheng. O velho Tse diz à jovem esposa que ela é a pessoa indicada para fazer Tcheng desistir de seus planos. A cética Madame Tse (Foun-Sen) nega-se a ajudar. Mas ele decepa uma rosa dizendo: “Nós saberemos fazê-lo escutar.” Voltando entusiasmado do comício que foi cobrir, Franchon entrega ao patrão Mac Tavish (André Alerme), editor-chefe da Agência Mundial de Notícias, o artigo que terminou de escrever sobre Tcheng, um “líder revolucionário que mudará a China”. Mas Tavish retruca que nada se passará no país: “Tcheng é um zero […] um grande nervoso […]. A China não é um Estado, mas um país de sonho, que dorme sonhando que existe, mas não existe.” O gordo editor rasga a reportagem em quatro.
Enquanto isso, Natasha aguarda a chegada da filha Vera fazendo planos de deixar Xangai para começar junto a ela uma nova vida em Nova York. Mas justo quando ela fantasia sua partida, cantarolando feliz, Ivan, que ela pensava estar morto, retorna. Tendo uma vez servido à Serpente Negra, Natasha não pode mais livrar-se dela. Como ela implora liberdade, Ivan diz que ela deverá fazer um último trabalho: atrair Tcheng para uma armadilha, levando-o até ele após seu número musical. Com isso, ela “impedirá o futuro” e se verá livre da Serpente Negra.
Natasha pretendia buscar Vera no porto de Xangai: a garota não conhecia nada nem ninguém na cidade, nem o endereço da mãe trazia consigo. Mas a cantora espiã se vê impedida de sair do cabaré antes de cumprir sua “última missão”. Por sorte, Franchon encontra-se no cais e percebe uma jovem estrangeira perdida. Depois de perguntas sem respostas precisas, ele, distraído, assobia a música que Natasha cantarolava. A jovem reconhece a canção, e sabia a letra de cor: sua mãe a cantava para niná-la. Franchon descobre então que ela era filha de Natasha, levando-a para casa, entregando-a aos cuidados da ama Nina (Elina Labourdette).
O bando da Serpente Negra reúne-se no cabaré para matar Tcheng com uma injeção de veneno que, uma vez aplicada, faz parecer que a vítima morreu de embolia. Eles testam a eficácia da injeção num mendigo ao qual prometem um dólar: ele morre instantaneamente depois de injetado, deixando cair da mão crispada o dólar que custara sua vida, como se ela nem isso valesse.
Tcheng é enfim atraído para a emboscada com a ajuda da decaída Natasha. Mas percebendo a movimentação dos bandidos, o astuto Franchon arma uma confusão no cabaré e faz intervir autoridades da Marinha que davam por acaso uma batida ali atrás de marinheiros desgarrados. Tcheng consegue, assim, salvar-se. Os sinistros membros da Serpente Negra decidem: “Só há um meio agora: a guerra.” Eles cometerão um atentado terrorista, do qual culparão Tcheng, fazendo um país se voltar contra outro, causando o conflito armado, do qual também culparão Tcheng. Madame Tse é encarregada de comunicar à Agência Mundial de Notícias que “Tcheng está planejando um atentado para amanhã às cinco da tarde”.
Mac Tavish acredita piamente, mas o astuto Franchon desconfia da notícia: atentados não eram do feitio do pacifista Tcheng. Recusando-se a redigir a notícia trazida por Madame Tse, Franchon é despedido sob os olhares frios da refinada “pomba-correio”. Por seu lado, Natasha tenta conseguir um passaporte na embaixada americana para Vera, mas diante da recusa, ela compra por cem dólares um falsificado “mais perfeito que o original”. Mas Ivan descobre tudo e seqüestra o passaporte. Desesperada, Natasha o mata a tiros – furando de balas e sujando de sangue o passaporte de Vera que Ivan havia guardado no bolso…
A guerra é iminente. Infiltrada na polícia, a Serpente Negra consegue prender Natasha, Vera e Franchon. Tcheng desafia a organização: “Vamos ver quem é mais forte: o povo com sua fé ou os conspiradores com suas metralhadoras!”. O atentado movimenta a polícia, mas Tcheng conclama a militância. Logo as massas se juntam aos militantes com cartazes brancos clamando pela paz. Diante de aviões bombardeiros do “país inimigo” ganhando os céus, Tcheng conclama à união nacional. Madame Tse atende ao apelo. As facções acabam se unindo. Para não ficar mal com a imprensa internacional, a polícia liberta Franchon, que diz só sair com Natasha e Vera.
No meio da massa jubilosa, na iminência da guerra, Vera, Natasha e Franchon dirigem-se ao porto, mas um agente da polícia ligado à Serpente Negra esfaqueia Natasha. Ela morre de olhos abertos sem que ninguém perceba, sendo grotescamente arrastada como um corpo inerte pelas massas. Vera e Franchon conseguem embarcar para Nova York, enquanto uma grande explosão ao fundo indica que a guerra já começou.
Realizado às vésperas da Segunda Guerra, Le drame de Shangai é um melodrama criminal-político ambíguo, cuja mensagem permanece algo obscura. Mas é possível identificar na trama algumas pistas da orientação política de Pabst transpondo sua trama para o cenário europeu daquele momento. O líder carismático Tcheng que poderia ser confundido à primeira vista com um líder comunista, também pode perfeitamente encarnar uma liderança de tipo nazista ao enfrentar a Serpente Negra – uma organização criminosa que incluía russos brancos, membros da elite chinesa e supostos “judeus” – os tipos adiposos que “dominam as mídias” no filme (Bib Bill, Mac Tavish). Tcheng fala a mesma língua de Hitler, o “pacifista” que na Alemanha mobilizava as massas contra os “plutocratas judeus” e os “judeus bolcheviques”. Um fator que complica a interpretação é a menção à guerra sino-japonesa: no final, supõe-se que os aviões que atacam Shangai sejam japoneses. Mas Pabst não deixa claro qual o país “inimigo” da China.
O falso exilado
Dois meses antes da declaração de guerra, Pabst deixou explícita sua opção política ao devolver à França, dois meses antes da declaração de guerra, uma medalha da Legião de Honra que havia recebido. Com a eclosão da guerra em 1939, Pabst retornou à Áustria, de onde seguiu para a Alemanha a convite de Goebbels para realizar filmes “patrióticos”. Esta opção espantou a todos, pois os filmes de Pabst haviam sido proibidos pelos nazistas assim que tomaram o poder. Outro mal-entendido, ainda, havia reforçado a fama de exilado de Pasbt: o Philo Lexikon editado em 1935, em Berlim, havia dado Pabst como de “pura ascendência judaica”[6]. Seus autores, contudo, estavam mal informados, pois a esposa de Pabst, Gertrude, declarou a Lee Altwell, nos anos de 1970, ser fala aquela informação[7].
É provável que, estando Pabst fora da Alemanha nos primeiros anos do regime, e sendo confundido com os comunistas, tenha sido também “judaizado por contaminação” pelos nazistas. O mal-entendido perdurou, uma vez que ainda nos anos de 1980 o Instituto Goethe de São Paulo homenageou os cineastas judeus de Weimar com uma mostra que incluía os filmes mudos de Pasbt. Por seu lado, Gertrude Pabst justificou a opção política do marido em recusar a cidadania francesa por temer que seu filho Peter, nascido em 1924, fosse obrigado, numa guerra que o cineasta via aproximar-se, a lutar no Exército francês contra os alemães: “Embora Pabst fosse muito contra Hitler e os nazistas, ele ainda amava a Alemanha.”[8]. Essa alegação parece-nos algo absurda.
Mais tarde, quando a guerra estourou, os Pabst teriam tentado emigrar da Suíça para os EUA, mas o cineasta teria passado por incríveis complicações de saúde: de tanto carregar malas, ele teria sofrido uma crise de hérnia, tendo de ser operado. Descobrira, então, ser diabético, ao cair vítima de infecções pós-operatórias. Foi obrigado, pois, a cancelar sua viagem com os bilhetes já comprados. Pabst teria ficado “muito aborrecido” imaginando o que os seus amigos iriam pensar dele. De fato, circulavam rumores na época de que Pabst talvez fosse um espião infiltrado entre os exilados (dado reportado pelos pesquisadores Yves Aubry e Jacques Pétat). Mas Gertrude Pabst negou que isso fosse verdade[9].
Logo depois da guerra, durante os processos de desnazificação, o jornalista e escritor judeu comunista Leo Lania[10], velho amigo e colaborador de Pasbt, tendo escrito o roteiro de Dreigroschenoper e colaborado nos de Le drame de Shangai e Cose da pazzi, defendeu o cineasta escrevendo uma carta ao The New York Times afirmando que o diretor tinha sido “obrigado” a ficar na Alemanha, mas que “os dois filmes que ele dirigiu [na Alemanha nazista] eram quadros históricos sem nenhuma coloração nazista […] Ele não dirigiu nem produziu filmes de propaganda. Ele não se se deixou usar para nenhuma glorificação do regime nazista”[11]. Um assistente de Pabst, Jean Oser, também declarou: “Eu sei que ele não fez filmes nazistas.”[12]. A verdade, porém, é outra: depois de retornar voluntariamente à Alemanha, Pabst foi de imediato alocado na produção da propaganda nazista.
Feuertaufe (Batismo de fogo, 1940)
A primeira colaboração “patriótica” de Pabst na Alemanha nazista foi, conforme destacou Paul Rotha, sua participação na montagem de Feuertaufe (Batismo de fogo, 1940), de Fritz Hippler, com direção técnica de Hans Bertram, sobre os ataques da Força Aérea Alemã à Polônia. A agressão alemã é aí explicada como uma reação extrema do Führer, depois de permanecer “frio diante da febre de guerra que atacava o mundo”, sendo ele o único líder a “tentar manter a paz”. Contudo, como “a Inglaterra impelia a Polônia contra o nacional-socialismo”, tendo a seu lado “os plutocratas judeus e maçons da Europa ocidental”, a Alemanha “foi obrigada a mostrar-lhes que quem deseja a paz deve estar preparado para a guerra – agora, era bomba contra bomba”.
Tiefland (“Terra baixa”, ou “Planície”, 1940-1954)
Entre 1940 e 1941, Pabst colaborou com o cinema nazista de forma indireta em Tiefland (1940-1954), de Leni Riefenstahl. Para não precisar dirigir o filme que estrelava, atuando e dançando, Leni contratou, para digirir as cenas coreografadas, um de seus ex-assistentes de câmara, Harald Reinl; e para as cenas em que apenas atuava, o ator Mathias Wiemann – o pintor de seu Das blaue Licht (A luz azul, 1932); e o velho mestre por ela apaixonado, Arnold Fanck, que ela então empregava na sua produtora, a Leni Riefenstahl Films, como diretor de “filmes culturais”.
Insatisfeita com as cenas rodadas por Fanck, Leni contratou Georg Pabst, sob cuja direção (em parceria com Fanck) ela havia atuado em Die weiße Hölle vom Piz Palü (O inferno branco do Piz Palü, 1929), que a crítica considerara o mais sofisticado dos Bergefilme. Contudo, como Leni não conseguiu entender-se com Pabst, contratou novos assistentes: Veit Harlan e Arthur Maria Rabenalt. Nenhum desses renomados diretores foi creditado: pouco se sabe sobre suas reais contribuições à produção, que empregou, especialmente na cena coreografada na taberna, cerca de 50 ciganos retirados de campos de concentração, em trabalho forçado, e que após as filmagens foram devolvidos aos campos, sendo em seguida deportados, quase todos morrendo em Auschwitz.
Por seu trabalho neste filme – financiado por Hitler – Pabst ganhou a vultuosa soma de 62 mil marcos, enquanto Leni recebeu apenas um terço dessa quantia[13]. Depois da guerra, o filme custou algumas dores de cabeça a Leni Riefenstahl, que chegou a processar o documentário Zeit des Schwigens und der Dunkelheit (“Tempo do silêncio e da escuridão”, 1982, TV), em que Nina Gladitz denunciava sua participação no caso escabroso dos ciganos. Com a repercussão negativa do processo, o documentário foi retirado de circulação, o que arruinou financeiramente a jovem diretora.
Na virada do século, porém, pouco antes de sua morte, Leni perdeu pela primeira vez um processo intregralmente, graças à adoção pela Alemanha da lei que proíbe a negação do Holocausto: a cineasta continuava a repetir, em suas entrevistas mentirosas que, depois da guerra, encontrara todos os seus ciganos e que aos figurantes de Tiefland nada de mal se passara. Com o apoio de Nina Gladitz, a Associação dos Ciganos Sinto e Roma da Alemanha conseguiu reunir os poucos ciganos sobreviventes daquela produção para dar seu testemunho: amparadas na nova lei, as vítimas de Tiefland puderam, finalmente, impedir judicialmente Leni Riefenstahl de afirmar publicamente que nenhum de “seus” ciganos havia sido exterminado.
Heinrich I, Gennat der “Vogler” (projeto)
Em 1941, Pabst recusou a direção de um filme que Goebbels projetava produzir, intitulado Heinrich I, Gennant der “Vogler” (Heinrich I, conhecido como “O Pássaro”), sobre um líder alemão que, vivendo entre 876 e 936, anexara Lorena e criara um poderoso sistema militar para combater os eslavos. Contudo, Pabst aceitou dirigir para o regime duas grandes produções com mensagens ideológicas tão fortes quanto a deste projeto.
Komödianten (“Atores”, 1941)
O primeiro filme dirigido por Pabst dentro do cinema nazista foi Komödianten (“Comediantes”, 1941), escrito por Axel Eggebrecht, Walter von Hollander e Pabst, com base no romance Philine, de Olly Boeheim. Rodado na Áustria, o filme trata dos esforços feitos entre 1760 e 1775 pela atriz Karoline Neuber, a “Neuberin” (Käthe Dorsch) para libertar o teatro alemão dos “histriônicos” que dominavam o palco, impedindo a apresentação “dos grandes autores alemães, tais como Lessing, Goethe, Schiller”. Contra o professor e autor dramático Johann Christoph Gottsched (Harry Langewisch), que preconizava a imitação do teatro clássico francês, o jovem estudante de teologia Gotthold Ephraim Lessing defende, com ardor nacionalista, para o delírio dos colegas, um “teatro alemão com peças alemãs”.
A caminho de Leipzig, a trupe de comediantes dirigida pela Neuberin acolhe a jovem iniciante Philine Schröder (Hilde Krahl), que foge do pai, o bufão Muller, o “Hanswurst” (Ludwig Schmitz). A Neuberin havia expulsado esse bufão de sua trupe e ele agora queria vender a própria filha para um comerciante como “uma galinha na panela pronta para ser assada”. Instalada em Leipzig, a Neuberin é perseguida por seu arquiinimigo, o Conselheiro Klupsch, protetor do “Hanswurst”.
A Neuberin é acusada pelo agora poderoso “Hanswurst”, de desviar menores. A duquesa Amália de Weissenfels (Henny Porten[14]), que havia presenteado a Neuberin com um colar de pérolas para que ela afastasse Philine do apaixonado tenente Armin Perckhammer (Richard Haussler), amigo de Lessing, dá ouvidos ao bufão e retira sua proteção à atriz. Só resta à Neuberin seguir adiante com sua trupe, aceitando o convite do Duque de Courlande para uma apresentação diante da Corte de São Petersburgo. Em São Petersburgo, a Neuberin também ganha um colar de pérolas do duque Biron, que lhe diz: “Nós vamos dominar o mundo”. Mas ela escapa dessa sedução, constata a decadência à qual sua trupe se entrega com russos lascivos, de aspecto asqueroso, no porão do palácio, e decide: “Queremos ser livres!”, deixando para trás as jóias que ganhou, mas que não as compraram.
De volta a Leipzig, a Neuberin encontra seu teatro ocupado pelo bufão Muller, o “Hanswurst”. O Conselheiro recusa-lhe outro espaço. A Neuberin, que defende intransigentemente uma arte nacional, representa ao ar livre e lança um desafio ao bufão. Convertida ao ideal revolucionário, ela queima em público um boneco de palha representando o “Hanswurst”, num polêmico auto-de-fé. A guarda intervém. Neuberin perde sua trupe, e segue adiante em sua caravana, apenas com o marido e Philine. Por fim a Neuberin adoece. Ela delira, transpira, tem visões e agoniza: “Nenhum ‘Wurst’[15] (sic) mais! Consegui tão pouco! Como dói! Ninguém mais precisa de mim! Para frente! Sempre adiante!”. A Neuberin morre de esgotamento, com o aspecto de uma boneca louca.
Contudo, Gotthold Ephraim Lessing, que há tempos apreciava o trabalho da Neuberin, envia à duquesa sua tragédia Emilia Galotti (1772), a primeira peça escrita na língua alemã, com a condição de que fosse encenada pela trupe de Karoline Neuber. A duquesa Amalia reabilita a memória da Neuberin. E Philine, inspirada na sua morte, sacrifica o amor pelo tenente Armin e toda sua capacidade de amar os homens para prosseguir a luta nacionalista. Ela conseguirá, enfim, com a ajuda da duquesa Amalia, fundar o Teatro Nacional de Weimar. Agora, a grande atriz Philine apresenta, sob a direção do ex-tenente Perckhammer, apenas peças alemãs. A sociedade reconhece a luta da Neuberin: “Em tudo o que fizermos, estarás viva!”.
Goebbels ficou plenamente satisfeito com o filme, que comentou em discurso à Juventude Hitlerista, a 12 de outubro de 1941: “Naquela época, o teatro alemão estava na mesma encruzilhada que o cinema hoje; ele também devia decidir-se a passar do factual à arte verdadeira. Com, todavia, uma diferença em relação a hoje: naquela época deixavam os pioneiros de uma arte dramática autêntica morrer na estrada, humilhados e esquecidos; hoje, nós honramos os pioneiros de uma arte cinematográfica autêntica com contratos oficiais e proporcionando-lhes a maior ajuda governamental sobre o plano econômico e moral, damos a eles a possibilidade de realizar seus vastos projetos e suas altas ambições.”[16]. Realizado por um desses artistas altamente recompensados pelo Estado nazista, Pabst seguia o caminho da corrupção total do artista pelo poder: predicado como “particularmente recomendado por seu valor político, artístico e cultural” e “adequado à formação do povo”, Komödianten rendeu a Pabst a medalha de ouro de Melhor Diretor na Bienal de Veneza.
Os historiadores do cinema Cadars e Courtade observaram que a seqüência passada na Corte da Rússia está saturada de caricatura: “Todos os representantes da corte, homens e mulheres, estão bêbados e lúbricos, servidos por ignaros supersticiosos. O primeiro plano de um nobre caindo de bêbado e grotesco resume o ponto de vista”. Contudo, a mais forte mensagem nazista que o filme contém passou despercebida pela dupla. O que significa lutar por um “teatro nacional alemão” contra os “histriônicos bufões que o dominavam” senão o saneamento das artes através da sua “arianização”? Os “bufões todo-poderosos” do filme, os “histriônicos intrigantes” simbolizados pelo “Hanswurst”, que impediam a encenação dos grandes autores alemães, são metáforas antissemitas.
O professor Gottsched adverte: “O teatro não é o espelho da vida. A vida é suja, só a Arte é pura!”. Embora adversário da Neuberin, Gottsched defende uma “arte pura” afrancesada, diversa do ideal de “arte purificada” defendido a seu modo pela atriz, e pelo qual ela se sacrifica. Essa “arte purificada da sujeira” é uma metáfora do ideal racial nazista: as drenagens, higienizações e extirpações cirúrgicas operadas na arte alemã significam a completa eliminação dos “bufões” e sua identificação com o “sangue e o solo” (a ideologia Blut und Boden). Liberta da contaminação estrangeira, só essa arte purificada é “saudável”. A vida é “suja”, mas saneável. O saneamento implica dolorosas “operações”, “sangrias” e “cortes profundos” – os métodos nazistas de purificação, isto é, de extermínio – simbolizado no filme pela queima do boneco de palha que representava o “Hanswurst”.
A metáfora de Komödianten é clara: os “bufões”, os “histriônicos”, o “Hanswurts” são os judeus de Weimar, mostrados como vulgares e pornográficos, gozando de privilégios e contando com a proteção da Corte. O domínio do teatro pelo “Hanswurst” remete ao “domínio judaico” na cultura de Weimar. O auto-de-fé do “Hanswurst”, queimado em efígie, aprofunda o “saneamento” da indústria cultural e a consolidação do monopólio estatal simbolizado na edificação do Teatro Nacional Alemão: “O “Hanswurst” está para sempre banido dos palcos”, reza o release original do filme[17]. Mas o “holocausto” dos “Hanswurst”, que terminam expulsos dos palcos da Alemanha, não é o bastante. Também os artistas alemães precisam ser sacrificados. Símbolo desses artistas, a Neuberin precisa pagar os “pecados” cometidos antes da “arianização”.
Antes de seu triunfo post-mortem, a Neuberin precisa renunciar às ilusões da glória mercantil (simbolizadas pelo colar de pérolas que recebe da duquesa prussiana) e às seduções do poder estrangeiro (simbolizadas pelas jóias oferecidas pelo conde Biron na Rússia) e abraçar o sacrifício em direção ao ideal nacional-socialista da arte “pura” (baseada no solo e no sangue). Assim como o próprio Pabst, que fora confundido com os comunistas na República de Weimar (metaforicamente, no filme, a Corte de São Petersburgo), e “tentado pelos judeus” (representados pelo duque Biron, através de seu desejo de “conquistar o mundo”), a Neuberin purga-se numa trajetória de “reeducação”. Ela experimenta as seduções e as ilusões até converter-se à arte que “espelha a raça”. Na luta e na agonia da Neuberin, os nazistas vêem-se como vítimas de perseguições, ameaçados pelos “bufões” (um símbolo dos judeus), protegidos pelos poderosos (liberais e comunistas), sacrificando-se e agonizando pelo seu “ideal”: a morte solitária da Neuberin, num campo isolado, longe dos amigos, evoca a morte do soldado alemão no campo de batalha.
Paracelsus (“Paracelso”, 1943)
Com uma produção de 2,7 milhões de marcos e rodado nos estúdios Barrandov de Praga, Paracelsus (Paracelsus, 1943), contando episódios da vida do médico suíço Teophrast von Hohenheim, conhecido como Paracelsus (1491-1541), foi escrito, a partir do romance Der König der Ärzte – ein Paracelsus Roman (1941), de Pert Peternell, por Kurt Heuser, roteirista de outros filmes marcadamente nazistas, como Ohlm Krüger e Rembrandt; e por Pabst, que ganhou parte da verba destinada ao roteiro (12.000 marcos), além de 30 mil marcos pela direção do filme. Susanne Ruppelt[18], Udo Bezenhöfer e Eric Rentschler apontaram ainda outras obras literárias como fonte dos roteiristas: o poema “Huttens letzte Tage” (1871), de C. F. Myers; a peça Paracelsus (1897), de Arthur Schnitzler; e a trilogia Paracelsus (1917-1925), de Erwin Guido Kolbenheyer. Mas Heuser e Pabst inventaram alguns personagens, como Flíegenbeín e Renata, que desempenham importantes papéis simbólicos na trama.
O filme inicia-se com a peste grassando na Basiléia. Os pobres empesteados pedem dinheiro ao rico mercador suíço Hans Pfefferkorn (Harry Langewisch). Os hospitais estão cheios, mesmo um espirro do prefeito preocupa os circundantes: “Saúde, Sr. Prefeito!” Gemendo em seu leito, o editor Froben von Höchdrich (Rudolf Blümner), doente da perna, está para ser mutilado pelo cirurgiões chamados pelo Magister (Fritz Rasp), que afina a serra com um violino. “Não quero isso!”, ele diz. O médico responde: “É o que todos dizem!”.
Antes que seja mutilado, o editor manda chamar Paracelsus (Werner Krauss), médico a respeito de quem chegavam da Alemanha muitas notícias boas. De fato, Paracelsus demonstra ser um doutor amigo do povo. Após examinar uma jovem de seios nus, dizendo-lhe: “A natureza vai ajudá-la, mas vamos ajudar a natureza!”, dá-lhe os remédios necessários, pois a jovem não tem dinheiro. Assim, antes que o Magister mutile Froben, Paracelsus chega e o desafia: “A natureza é melhor mestra que sua universidade!”.
Paracelsus é convidado a dar uma aula na universidade; ele quer proferi-la em alemão, pois “estamos na Alemanha!”. Mas, desafiado pelo Magister, contrário às suas teorias, mostra que também domina o latim. Paracelsus invoca as estrelas, a natureza e, sobretudo, o amor, pedra fundamental de sua medicina holística: “O homem é um todo!”. Os estudantes o aplaudem: “Este é um homem. Este devia ensinar-nos. É um Martin Luther, luta contra os ‘homens escuros’ [ou os ‘homens de preto’, isto é, os padres católicos]! Viva nosso novo mestre!”. Os estudantes abraçam Paracelsus emocionados e até apaixonados, som os olhos a brilhar de desejos. Um deles, Johannes (Martin Urtel) oferece-se como discípulo. Diz-lhe Paracelsus: “Você experimentará o frio da morte!”.
A seriedade do alquimista holístico é demonstrada quando, depois de ser nomeado médico público da cidade por um Conselho que inclui o filósofo Erasmus de Rotterdam, Paracelsus manda fechar as portas da Basiléia para proteger a população contra a peste. Ninguém mais pode entrar ou sair. “A vida dos cidadãos está em minhas mãos!”, afirma Paracelsus. Até então, a peste era tratada apenas com o guayak, uma medicina que chegava da América, sem trazer resultados. Além de combater a peste com medidas políticas, Paracelsus prossegue suas experiências fundamentais à procura do elixir da eterna juventude: “Que obra! Que vitória sobre o poder horrível! Eu o odeio! Todo médico deve odiá-lo!”. Johannes assusta-se: “Mas a quem, mestre?”. Paracelsus parece sair de seu transe: “Quem… Mas quem senão a Morte!”. Todos o escutam na cervejaria. “A peste! É um prazer lutar!” (Observação: a palavra “morte” é masculina em alemão: der Tod).
Neste momento, os carregamentos de Pfefferkorn (literalmente “caroço-de-pimenta”) conseguem romper as barreiras que fechavam a cidade. Montado na carruagem clandestina está o dançarino Flíegenbeín (Harald Kreutzberg), que se movimenta como um inseto, sobrevoando a cidade, vestindo trapos e um boné ornado com uma pena, à maneira do vagabundo de Lumpacivagabundus (1936), de Géza von Bolváry. Quando Flíegenbeín (literalmente “perna-de-mosca”) encontra Paracelsus, este parece reconhecê-lo. O dançarino desafia o alquimista: “Estou aqui de novo!”. Paracelsus: “Como você veio?”. Flíegenbeín: “Andei sete anos!”[19]. Flíegenbeín dança no porão e hipnotiza todos os presentes. Ele os empesteia num ritmo de música iídiche. Somente Paracelsus, que se mantém sóbrio, consegue quebrar esse feitiço.
A certa altura Flíegenbeín faz um brinde “a tudo que voa, borboleta, morcego…”. É que ele traz a Peste e encarna a própria Morte.“Nós nos conhecemos”, diz-lhe Paracelsus. Flíegenbeín retira seu boné, revelando uma cabeça raspada. Imediatamente Paracelsus examina seu pescoço. “Não sou doente!”, grita Flíegenbeín. Mas Paracelsus reconhece nele a presença do Mal: “Ele tem a peste! Não o toquem!” – ao mesmo tempo em que o mantém paralisado. Flíegenbeín é levado para o laboratório de Paracelsus.
Enquanto isso, uma turba de flagelantes assusta a população ao deixar a cidade dando lambadas em suas próprias costas nuas. As mercadorias contrabandeadas são queimadas num auto-de-fé a mando de Paracelsus, que suspira: “Os ricos são corruptos o bastante para enganar seus próprios concidadãos”. Os bens de luxo queimam nas chamas. “Minhas preciosas especiarias, minhas ricas mercadorias!”, geme o comerciante.
A interferência saneadora de Paracelsus leva o mercador a tente quebrar o bloqueio com a ajuda da população. Pfefferkorn argumenta que a mercadoria que importa possui caráter curativo, e invoca o caso do nobre alemão Ullrich Von Hutten (Mathias Wieman), que teria se curado de sua sífilis através do guayak importado. Mas Von Hutten baterá, tarde demais, à porta de Paracelsus, que nada poderá empreender para curar o nobre doente. Von Hutten reconhece a genialidade do médico, e promete defender sua causa diante do povo. Tambores rufam ameaçadores: “Senhores, vosso tempo está no fim!”. Pfefferkorn prevê o fim de seus negócios: “Como herói do povo, Paracelsus terá mais poder que o Kaiser ou o Papa!”.
Contudo, Pfefferkorn assusta-se quando sua filha Renata (Annelies Reinhold) começa a passal mal, depois que ele a promete em casamento com o conde do Reich von Hohenried (Herbert Hübner). Ele chama Paracelsus, que sabendo do amor que ela tem por seu discípulo, tranqüiliza o pai aflito. Mas um incidente irá perder o novo herói do povo.
Na sua ausência, Froben volta a adoecer e convoca Paracelsus. O aprendiz substitui o mestre e, tendo estudado sozinho as experiências de alquimia para a criação da panacéia, aplica no agonizante a fórmula do mercúrio sublimado que imagina correta. Ele está seguro da vitória. O paciente parece melhorar, mas em poucos minutos expira, envenenado. Paracelsus é culpado desta morte e seus métodos revolucionários de cura condenados pelas autoridades da Basiléia.
Quando Paracelsus está para ser preso, ele foge com Johannes e Renata, ajudado por Flíegenbeín, que atira 100 moedas de ouro, roubadas a Pfefferkorn, para a massa que persegue os fugitivos da justiça. A fuga dos médicos não significa derrota ou desistência, pois diante da turba de doentes e empesteados, Paracelsus exclama, mais que nunca imbuído da importância de sua missão: “Eu preciso continuar minha pesquisa!”. Renate pergunta: “Onde vamos procurar?”. Ele responde: “Em toda parte onde houver miséria e dor”. Renate transforma-se numa enfermeira, distribuindo poções que curam para o povo. Os doentes apresentam-se em filas. E Paracelsus conclui: “O povo grita por mim! Ao povo devo servir e não ao Kaiser!”.
*
O Ministério apreciou a fidelidade do filme à memória do alquimista, pai da medicina hermética e suposto gênio do “ocultismo racionalista”, e Paracelsus foi predicado “de valor para a política do Estado” e “de valor artístico”. A pré-estréia, promovida pelo Reichspropagandaamt (Escritório de Propaganda do Reich), teve lugar em Salzburgo, a 12 de março de 1943, com a execução da abertura do “Holandês Voador” pela orquestra Mozarteum, com a honrosa presença do Chefe de Produção da companhia cinematográfica Bavaria, Helmut Schreiber; do diretor Pabst; de seus atores Werner Krauss, Annelies Reinhold e Herbert Hübner; do Reichsgesundheitsführer (Chefe da Saúde do Reich) Dr. Blume; do Presidente da Sociedade Paracelsus, Dr. Dingeldey, além de médicos, docentes de medicina e soldados de lazaretos que haviam sofrido ferimentos de guerra.[20]
Comentadores atuais pretenderam que Paracelsus tenha sido um tema estranho para um filme nazista. Assim, antes de abordar o Paracelsus de Pabst é conveniente observar que o Paracelsus real já se prestava à assimilação pelos nazistas. De origem bastante modesta, Teophrastus Paracelsus cresceu em meio à pobreza. Perdendo a mãe em 1502, foi educado por beneditinos, com os quais aprendeu o latim. Sobre seus estudos nada se sabe. É provável que não tenha freqüentado escola alguma. Deste modo, enquanto médico “autodidata”, Paracelus tornou-se um modelo caro de herói nacional-socialista, recordando a carreira “autoditada” de Hitler em arquitetura, pintura, política e “ciência racial”.
A medicina de Paracelsus era uma Weltanschauung e seus ensinamentos fundavam uma perigosa metafísica da doença através de conceitos nebulosos como “microcosmo” e “macrocosmo”. Sua “cientificidade” era distorcida pela filosofia hermética que o fazia atribuir, por exemplo, as deformidades e insuficiências dos “monstros” e “andróginos” à imaginação perversa de suas mães[21]. Eugenista avant la lettre, Paracelsus afirmava que toda mulher devia procriar, mas que as crianças saudáveis nasciam do “sêmen puro”, sendo o “impuro” transmissor da sífilis e das doenças hereditárias.
Anticapitalista e antissemita, Paracelsus associava comerciantes, mercadores, usurários, vendedores e toda gente que tratava com dinheiro como “destruidores dos Dez Mandamentos” e “servidores do Diabo” [22], afirmando ainda: “Mentem e trapaceiam, emprestam a juros, a depósito, e tudo isso por uma necessidade de judeus. Eles são iguais aos judeus”[23]. Paracelsus via-se perseguido especialmente pelos médicos judeus, seus concorrentes, aos quais chamava de “parentes de filhos de puta”[24], pois desejariam “crucificá-lo” como ao próprio Cristo: “Vocês podem perguntar para todo judeu que trata com seus remédios judaicos, eles dirão que sou um corruptor do povo, tenho o diabo no corpo, sou possuído, aprendi da nicromancia, que sou um mágico. Todas estas coisas os judeus também diziam de Cristo”. Aos que desprezavam sua “ciência”, Paracelsus bradava: “Vocês são judeus velhacos, cadáveres e idólatras ensebados!”[25].
O alquimista era considerado pelo maior ideólogo nazista, Alfred Rosenberg, como um “grande pesquisador no limite de duas idades da humanidade, as quais ele ultrapassou na nostalgia de uma época em que as palavras não afrontarão mais as palavras e os altares os altares, mas onde tudo isto se inscreverá nas leis fundamentais da vida.”[26] Não há, pois, nada a estranhar que Pabst tenha escolhido para tema de seu filme o anticapitalista e antissemita Paracelsus, cuja figura já tinha sido, aliás, honrada com diversas publicações durante o ‘Terceiro Reich’, escritas por autores como Bodo Sartorius Friedrich Von Waltershausen (1935), Karl Sudhoff (1936), Franz Strunz (1937), Will-Erich Peuckert (1941), Georg Sticker (1941), Pert Peternell (1941) e Kurt Goldammer (1943). Courtade e Cadars reportam que cinco livros sobre Paracelsus foram publicados na Alemanha em 1942, livros cujos títulos e autores eles não citam, qualificando-os apenas de “nacionalistas e anexionistas”, sem tampouco esclarecer o que entendem por isso. O psicólogo Carl Gustav Jung, que havia aderido ao nazismo com suas teorias de “inconsciente judeu” e “inconsciente ariano”, reforçou essas homenagens dedicando ao alquimista duas conferências reunidas em Paracelsica (1942).
Projetado para as comemorações do 400° aniversário de Paracelsus, o filme de Pabst integrou com um pouco de atraso uma série de comemorações de caráter cultural nos domínios das artes plásticas e da literatura que tiveram então lugar na Alemanha e na Áustria[27].
Paracelsus sempre foi analisado em termos de “exaltação do heroísmo através de gênios e inventores”, como mais uma cinebiografia de “grandes homens” da História, da Cultura e da Ciência alemãs. Assim, Paracelsus seria um filme no qual, sob os traços do alquimista, podemos “descobrir semelhanças com o Führer” (Leiser)[28], constituindo um “exemplo da escola das biografias de gênios do cinema nazista” (Mertens) e uma ilustração da “vitória do gênio sobre o obscurantismo” (Courtade e Cadars). De fato, Paracelsus enquadra-se perfeitamente no ciclo das cinebiografias dos “gênios arianos”[29] que exaltavam, mais que a obra, a luta que esses homens travaram contra os democratas, os religiosos ou os derrotistas (todos judeus) para impor ao mundo suas concepções revolucionárias, tornando-se eles “precursores de Hitler”. Mas o filme também integra o ciclo dos “Ärztefilme” (“filmes de médicos”)[30], que fantasiavam, de modo simbólico, mas inequívoco, o extermínio dos doentes incuráveis e do povo judeu como um todo. Paracelsus é um “herói” da medicina, do ponto de vista nacional-socialista, na meta final do Holocausto.
Coerente com o subgênero mais radical do cinema nazista, Paracelsus integrou a campanha bem coordenada de exaltação do alquimista, em apoio tático à “política racial” do ‘Terceiro Reich’. Condenado por seus métodos “revolucionários” pelas autoridades constituídas (a “velha sociedade”), Paracelsus é o médico dos novos institutos de aniquilação, dos laboratórios de extermínio, das experiências sádicas, das câmaras de gás de Auschwitz. Ele está pronto para executar em massa, justificando o Holocausto pela invocação do “amor” enquanto “mais alta motivação da medicina”.
A classe médica humanista é difamada na figura do Magister, que representa no filme a ratio tradicional, contra a qual se insurge o “novo” médico S.S. A escolha de Fritz Rasp para interpretar o Magister não é casual: como observou Karsten Witte, a ele Pabst outorgava os papéis mais negativos em seus filmes mudos, como os de oportunista político ou chantagista sexual[31] – ele também é um cinétipo de “judeu”, simbolizando os “médicos judeus” contra os quais Paracelsus imprecava.
A maioria dos críticos e historiadores do cinema nazista tem evitado ler em Paracelsus sua mensagem fortemente antissemita e de apelo ao extermínio, mistificados pela aura de “artista” que Pabst ainda carrega. O crítico Lee Atwell considerou o filme “um dos mais brilhantes” do diretor e chegou a ver nele uma “tendência antinazista” [32]! Distorção semelhante aparece na visão de Arthur Lennig: ele imagina ter descoberto no filme um “tema antinazista”, com Flíegenbeín representando o próprio Pabst![33]
O filme possui uma atmosfera gótica, uma vez que sua cenografia, realizada pelo arquiteto Herbert Hochreiter, foi inspirada nos desenhos e pinturas de Albert Dürer (1471-1528), Albrecht Altdorfer (1480-1538), Hans Holbein (1497-1543) e Lucas Cranach (1472-1553). Essa plasticidade torna especialmente atraente a seqüência final, com a coreografia fantasmática do grande dançarino Harald Kreutzberg, formado ainda dentro da tradição da dança expressionista, antes de ser conquistado e “reeducado” pelo nazismo.
Esse clímax encantou Francis Courtade e Pierre Cadars: “O filme terminava com uma massa de doentes e enfermos que já prefigurava o campo de ruínas que a Alemanha hitlerista estava a ponto de se tornar, e com estas palavras: A mais alta motivação da medicina é o amor.”[34] Por seu lado, David Hull identificou a cena em que Flíegenbeín “assume a aparência de um flautista tornado furioso, é atacado pela peste e leva numa caverna a dança macabra e grotesca dos fugitivos sob a música espectral de Herbert Windt” como “a melhor seqüência de todos os filmes falados de Pabst.”[35] Destacando a mesma seqüência apenas com um pouco menos de entusiasmo, Eberhardt Mertens observou que a “velha mestria do diretor é apenas perceptível na seqüência em que Flíegenbeín dança sobre os telhados e lança moedas sobre a turba.”[36].
A interpretação equivocada dessa seqüência como uma antevisão da derrota alemã em Stalingrado ou das ruínas em que a Alemanha se transformará no final da guerra foi retomada até pela especialista em antissemitismo Régine Mihal-Friedman: “A procissão masoquista de flagelantes – emergindo de um ornamento da massa – recorda um exército de homens esfarrapados a punir-se mesmo depois que a praga foi derrotada, com os portões da cidade abertos para eles. Cegamente, obstinadamente, eles marcham para uma morte cega. Stalingrado está perto.”[37]
Na verdade, seqüência nada tem de visionária ou crítica ao nazismo: pelo contrário, é uma metáfora do internamento dos judeus (os empestados) nos campos de morte (a caverna), construída sobre o clichê do encantamento que as moedas de ouro exerceriam sobre a “anti-raça”. Com sua cabeça raspada, Flíegenbeín evoca os prisioneiros judeus, isolados como “empesteados” da “sociedade saudável” nos campos de concentração. Identificado com essa fantasia mórbida sobre os internos dos KZ, Flíegenbeín encarna tanto o mito do “Judeu Errante” quanto a própria Morte, introduzindo a peste na cidade com uma dança coreografada em ritmo de música iídiche, provavelmente inspirada na “dança de morte” do de Der Dibbouk (O Dibbouk, 1937), de Michael Waszynski.
Ao mesmo tempo, em sua dança final, Flíegenbeín evoca o Flautista de Hamelin da fábula dos Irmãos Grimm. Ele seduz os “empesteados” com moedas de ouro como os ratos que infestavam a cidade de Hammeln eram encantados com a música do misterioso Flautista, que os leva até um despenhadeiro, de onde caem, morrendo afogados. Como o prefeito não pagava ao Flautista o preço cobrado pelo serviço, ele decide encantar as crianças da cidade, fazendo-as afogar-se da mesma maneira. A associação entre a peste, os ratos e os judeus estava enraizada no torpe imaginário nazista: vejam-se as caricaturas de “Flip” para o jornal Der Stürmer, de Julius Streicher; a exposição Der ewige Jude (1937); ou o filme Der ewige Jude (“O eterno judeu” ou “O judeu errante”, 1940), de Fritz Hippler. Em Paracelsus, o ouro substitui a música encantatória, já que os “judeus” são concebidos pela ideologia nazista como criaturas avarentas e loucas por dinheiro, jóias e ouro, tratando-se aqui de “encantar” os judeus para levá-los aos campos de concentração e às câmaras de gás.
Uma turba semelhante à turba dos empesteados de Paracelsus já havia sido mostrada em Germanin – Die Geschichte einer kolonialen Tat (1943), de Walter Kimmich: centenas de membros de tribos africanas, contaminados pela doença do sono, caminham em filas em direção à cabana do médico alemão, que encerra o filme com as palavras: “Não tenham medo, eu vou curá-los todos”. No filme, os negros africanos, vítimas da doença do sono, simbolizam os judeus destinados à “cura” – uma metáfora para o extermínio. Já em Paracelsus a massa de doentes da peste que precisa ser “curada” simboliza diretamente os judeus. Paracelsus quase identifica explicitamente o “inimigo” com a Morte na cena em que ele entra em transe: “Eu o odeio… Eu odeio o…”. “Quem, Mestre…?”. “… A Morte!” – cena perturbadora, que precede a dança conduzida por Flíegenbeín.
Como observaram diversos comentadores, a dança de Flíegenbeín é uma choreo lascivia, uma Dança de S. Vito, uma Totentanz – a “dança da morte”. Ela estetiza de modo “fascinante” o extermínio dos empesteados – o extermínio dos judeus. Ao contrário do que afirmaram críticos e historiadores do cinema, a cena final de Paracelsus não contém nenhuma denúncia do nazismo ou antevisão das ruínas do ‘Terceiro Reich’: trata-se, bem ao contrário, de uma fantasia de destruição em massa dos judeus, de uma contribuição dos artistas envolvidos nessa produção cinematográfica para o Holocausto em marcha nos campos de extermínio. O filme era mais um estigma lançado contra o povo judeu, integrando a mortífera campanha de propaganda ditada pela política biológica do nazismo.
A literatura nazista de exaltação a Paracelsus e o Paracelsus de Pabst representavam um apoio tácito de intelectuais e de artistas ao “Programa de Eutanásia” e à “Solução Final da Questão Judaica”. No filme, depois que Paracelsus derrota seus “inimigos” imediatos, o Magister (o médico tradicional) que se opunha a seus métodos “revolucionários”; e Pfefferkorn, o “judeu capitalista” (como o crítico Udo Benzenhöfer bem observou, apoiado no fato de ser o Pfefferkorn histórico um judeu batizado[38]) aliado da peste pela sua ânsia de comércio e ambição corruptora; depois que Paracelsus desenvolve no “elixir da eterna juventude” uma espécie de “solução final contra a Morte”; e depois que seu discípulo, o Famulus Johannes, testa a fórmula num doente, dando início à “cura dos doentes” (ao “Programa de Eutanásia”), é a própria filha do mercador, a morena Renata, cinétipo da “bela judia”, quem assume a tarefa de “curar” os empesteados (a “Solução Final para o Problema Judaico”).
Não há contradição em ser a “bela judia” uma aliada de Paracelsus em sua luta contra a “peste”: o papel de Renata apresenta similaridades, por exemplo, com o da personagem de milionária arruinada, desempenhado por Sybille Schmitz, em Titanic (1943), de Herbert Selpin e Werner Klinger: depois de perder, em evento não explicado, todos os seus bens, essa passageira que antes levava uma vida fútil de misteriosa milionária errante, tona-se uma colaboradora voluntária do capitão alemão, acatando suas ordens na tarefa de “seleção” dos outros náufragos para os poucos botes salva-vidas. No cinema nazista, o cinétipo da “bela judia” é recorrente, simbolizando a possibilidade dos judeus “colaborarem” na execução de seu próprio extermínio – experiência sádica efetivada nos guetos e campos nazistas.
No final de Paracelsus, Renata dispõe-se a distribuir generosamente aos empesteados poções da poção experimental desenvolvida pelo médico que, como no caso do impressor Froben, cura matando. Além disso, a massa dos doentes que precisam ser “curados” não se limita mais à Basiléia: extravasando suas fronteiras, a turba de flagelantes simboliza o povo judeu como um todo, cujo destino havia sido selado em 1941 na Conferência de Wannsee. Como o “soro contra a doença do sono” desenvolvido pelo cientista em Germanin, também o “soro contra a Morte” desenvolvido pelo alquimista em Paracelsus simboliza as câmaras de gás.
Essas associações simbólicas entre a morte “acidental” de Froben após a beberagem de uma dose do elixir e o “Programa de Eutanásia”; e entre a distribuição massiva da poção aos empesteados e a “Solução Final” são reforçadas pela aprovação do filme de Pabst pelo então Reichsgesundheitsführer (Chefe da Saúde do Reich), Dr. Leonardo Conti, que escreveu o artigo “Paracelsus und wir” (“Paracelsus e nós”), incluído no release original do filme, descrevendo Paracelsus como um perfeito pioneiro do médico alemão, pois “desprezou os judeus durante toda sua vida como um ‘povo de mentirosos inúteis’ que só pensava em ganhar dinheiro; ele já sabia que ‘o mentir dos judeus é uma propriedade nata’, como o reconhecerá Arthur Schopenhauer mais tarde”[39].
Filho de suíços italianos, nascido em Lugano em 1900, Dr. Conti estudara Medicina na Alemanha. Membro ativo do movimento estudantil racista, ele fundara em 1918 o grupo antissemita Kampfbundes für Deutsche Kultur. Partícipe do Putsch de Kapp, em 1920, e membro do NSDAP desde 1923, Dr. Conti foi o primeiro médico das S.A. de Berlim, e o organizador do Sindicato dos Médicos Nacional-Socialistas. Desde 1933 praticando nas S.S., ele se tornou especialista nas “questões raciais”, pregando a eliminação dos judeus da Medicina. Como Chefe de Saúde do Reich e Secretário de Estado da Saúde no Ministério, Dr. Conti foi encarregado por Hitler, em 1939, do chamado “Programa de Eutanásia”, que constituía no extermínio de doentes mentais e hereditários. Esse doutor nazista desenvolveu várias pesquisas para concretizar o Holocausto.
Dr. Conti planejava exterminar a intelligentsia polonesa através da esterilização em massa. Junto com o Dr. Karl Brandt, ele aplicou as primeiras injeções mortíferas contra prisioneiros em 1940, em Brandenburgo. Observando a lentidão da morte dos “pacientes”, recomendou o método das câmaras de gás. Assim foram mortos os doentes mentais da Rússia. Em 1944, Dr. Conti foi nomeado SS-Obergruppenführer. Preso no final da guerra, Dr. Conti enforcou-se a 6 de outubro de 1945, em sua cela em Nuremberg.[40]
Paracelsus foi mais um Ärztefilm a defender a Medicina praticada pelo Dr. Conti e seus seguidores, nos quais a linguagem de duplo sentido interagia no subconsciente das platéias com o repertório do velho antissemitismo religioso e do novo antissemitismo “científico”, no qual a peste significava os judeus; a quarentena referia-se ao internamento em KZs; a pesquisa científica evocava as novas tecnologias de matança em massa; o laboratório associava-se às experiências médicas; os elixires, soros ou fórmulas recém-descobertos pelos médicos metaforizavam as câmaras de gás; e a cura equivalia ao extermínio. Como dizia o próprio Paracelsus, “todas as coisas são veneno e nada sem veneno, só a dose faz que uma coisa não seja veneno.”[41] Visto hoje, Paracelsus não causa nenhum efeito. Inserido no contexto da Alemanha de 1943, dentro do vasto sistema de propaganda arquitetado por Goebbels e em plena vigência do Holocausto, o filme era certamente mortífero.
Contudo, mesmo contando com Werner Krauss e Fritz Rasp, Paracelsus não alcançou o sucesso de público esperado, não tendo agradado tanto quanto Robert Koch, der Bekämpfer des Todes (1939), de Hans Steinhoff, por exemplo, com Emil Jannings e Krauss. Com o prestígio desgastado, Pabst não chegou a integrar o “círculo de honra” do cinema nazista: ganhava hornorários de “apenas” 30 mil marcos em 1944, enquanto Veit Harlan ou Gustav Ucicky recebiam, cada um, a boa soma de 80 mil marcos por filme[42]: Pabst vendera-se barato para os nazistas.
Der Fall Molander (“O Caso Molander”, 1945-1949)
Com o bombardeio dos estúdios de Berlim, Pabst foi a Praga rodar Der Fall Molander (1945-1949), seu último filme produzido sob o regime nazista. Paul Wagner e Irene von Meyendorff desempenhavam os papéis principais. Com roteiro de Ernst Hasselbach e Per Schwenzen, a partir do romance policial Die Sterngeige (1938), de Alfred Karrasch, a trama girava em torno do jovem violinista Fritz Molander, obrigado a vender às escondidas seu Stradivarius para pagar as despesas de seu primeiro concerto. Descobre-se, então, que o Stradivarius era falso, fato que abala a glória nascente do jovem músico.
Segundo David Hull, as filmagens teriam sido interrompidas por bombardeios e as cópias teriam sido então destruídas; Pabst teria também, segundo o mesmo autor, renegado o filme como “inconseqüente”[43]. Na verdade, terminada a guerra, Pabst recuperou os negativos e concluiu o filme na zona da Alemanha controlada pelos russos. A exibição de Der Fall Molander foi autorizada na Alemanha oriental em 1949.
Der Prozeß (“O processo”, 1948)
Aparentemente desnazificado, Pabst dirigiu Der Prozeß (“O processo”, 1948), baseado no romance Prozeß auf Leben und Tod, de Rudolf Brunngraber, abordando um caso real, ocorrido em 1882, quando uma criada de camponeses se suicidou e a comunidade judaica foi acusada de ter praticado um assassínio ritual. Um deputado do Parlamento de Budapeste, advogado de formação (interpretado pelo grande ator judeu Ernst Deutsch), assume a defesa dos judeus e prova sua inocência, acusando o círculo nacionalista antissemita de ter lançado a culpa sobre eles.
O crítico Karl Prümm chegou a afirmar que Pabst teria tido o projeto de realizar um filme como este em 1933, “reagindo aos acontecimentos na Alemanha, prestando solidariedade aos povos particularmente ameaçados pelo novo governo.”[44]. Mais realista, o crítico suíço Freddy Buache avaliou que, mais do que uma séria reflexão sobre o racismo, o filme pretendia antes despertar as emoções de um público sensível.[45] De qualquer forma, a defesa que Pabst aí fazia dos judeus chegava um pouco tarde: cinco anos após a “Solução Final”, para a qual contribuíra modestamente, mas em tempo hábil, em Paracelsus, realizado em pleno extermínio, como uma de suas festejadas sublimações artísticas.
Nos anos seguintes Pabst escreveu e realizou na Áustria e na Itália alguns filmes de título sugestivo, mas raramente vistos ou comentados: Geheimnisvolle Tiefe (“Profundezas cheias de segredos”, Áustria, 1948); Duell mit dem Tod (“Duelo com a morte”, Áustria, 1949), com direção de Paul May e roteiro de May e Pabst; Ruf aus dem Äther (Áustria, 1951), co-dirigido com Georg Klaren; La voce del silenzo (A voz do silêncio, Itália, 1952); e Cose da pazzi (“Coisas de louco”, Itália, 1954). Apenas este último foi lançado em DVD, na Itália, e pudemos ver e analisar.
Cose da pazzi (“Coisas de louco”, 1954)
Pabst realizou na Itália a comédia de fundo político Cose da pazzi (“Coisas de louco”, 1954), que inicia com letreiros que afirmam: “Os personagens do filme são imaginários e a história se passa num país irreal”. Uma louca atira vasos e grita da sacada de seu apartamento: “Viva a morte! A guerra é a higiene do mundo!”, conclamando todos para uma batalha. O conteúdo dos gritos remete ao fraquismo e ao fascismo (“Abaixo a inteligência! Viva a morte!” foi a frase proferida pelo soldado da Falange espanhola José Millán Astray contra o filósofo Miguel de Unamuno; e “A guerra, única higiene do mundo” foi tirada do Manifesto Futurista, de Marinetti, que aderiu ao fascismo). Os vizinhos, que não conseguem dormir, pedem socorro. A louca saúda os bombeiros que tentam alcançá-la confundindo-os com soldados, tomando a escada Magirus por um tanque de guerra. Mas antes de ser agarrada pelos enfermeiros, ela é escondida por seu companheiro, outro louco que discute com ela sobre a guerra e a paz.
Os enfermeiros do asilo entram no apartamento errado e confundem a louca com a vizinha Delia (Carla Del Poggio), que dormia tranqüila. Gritando e protestando contra seu seqüestro, Delia é sedada e carregada para o asilo. Uma mulher comenta: “Coitadinha, vai para o manicômio!”. Outra retruca: “Não é um manicômio, ela tem dinheiro, só os pobres vão para o manicômio, ela vai para uma clínica de repouso!”. Na clínica “Vila da Felicidade” Delia continua a afirmar ser perfeitamente normal. É examinada pelo Dr. Gnauli (Aldo Fabrizi), que pergunta se ela vê elefantes numa régua e pede que ela feche os olhos para o próximo exame, pois ele é muito tímido: de repente, agarra as pernas da moça e faz cócegas nas solas de seus pés. Os gritos de Delia chamam a atenção do Dr. Carlo Forti (Enrico Luzi), do Prof. Ruiz (Enrico Viarisio) e da Enfermeira (Lia Di Leo), que revelam a Delia ser Gnaudi um paciente da clínica. “Não sou louca!”, volta a protestar Delia. Mas uma vez dentro no manicômio, parece impossível alegar sanidade mental: tudo o que diz torna-se um sintoma do que os psiquiatras diagnosticam. Delia é catalogada como vítima de uma “frigidez histérica”. Mesmo a discrepância de nomes encontrada na ficha da pessoa que deveria estar internada é posta na conta da confusão de identidade da paciente.
Delia resolve então entrar no jogo e conhecer as dependências do manicômio, interagindo com os residentes da clínica: o Louco das Máquinas (Marco Tulli), que constrói uma geringonça semelhante a uma bicicleta para voltar ao passado; e o Louco dos Óculos (Enzo Maggio), que “inventa” óculos mágicos, capazes de levar quem os usa para o futuro. O primeiro é um nostálgico, que deseja voltar à infância, o segundo, um estúpido, que exalta o poder e a velocidade, querendo apressar a vida e correr para a morte. Montados no mesmo veículo, nem um nem outro saem do lugar, dependentes um da loucura do outro para viverem infelizes no presente.
Tentando comunicar-se com o mundo exterior, Delia encontra o Louco do Telefone (Mimo Billi), que vive fazendo ligações. Quando ele termina de falar, ela se apressa a discar para uma amiga, mas é alertada pelo Sr. Giudi (John Stacy) que aquele telefone não funciona, tendo sido montado apenas para satisfazer os delírios do paciente. Ele indica a existência de um telefone verdadeiro no quarto de um dos psiquiatras. E revela ter um plano de fuga, pois também ele foi internado sem ser louco. Marcam um encontro para mais tarde.
Delia consegue ligar a uma amiga, Diomira (Lianella Carell), mas antes que consiga dizer o que de grave lhe aconteceu entra no quarto o Dr. Carlo Forti, que se sente atraído pela nova paciente. Nesse momento embaraçoso bate à porta a enfermeira, e Delia sai pelos fundos, entrando num quarto cheio de roupas dependuradas, onde mora a Louca da Moda (Laura Gore). Ela imagina que todas as pessoas que a visitam acabam de chegar de Paris. Mais tarde, Delia conhece o Louco Escritor (Oscar Andriani), um solitário que vive escrevendo cartas para si mesmo, mas que não sabe o que está escrito nas cartas, porque ainda não as recebeu; o Louco Pescador (Arturo Bragaglia), que tenta pescar nas banheiras; e as Loucas do Baralho, a Marquesa del Monte (Germana Paolieri), a Condessa Orizzontaletti (Nietta Zocchi) e Bianca Belli (Maria Donati), que jogam sem cartas.
De todos esses loucos, o mais importante é o Louco Doutor, Gnauli, que deseja assumir o comando do hospício, pois sua família paga tão caro sua estada na clínica que ele, desafiando o Prof. Ruiz, lidera os pacientes, que o tomam pelo verdadeiro psiquiatra. Assim, para impor-se aos seus pacientes e “colocar ordem no manicômio”, Prof. Ruiz submete Gnauli a um tratamento de choque. Ele recebe uma injeção que o fará regredir à infância, tornando-o submisso sob o impacto ainda de uma luz torturante. Prof. Ruiz explica que “o tratamento fará dele um recipiente vazio para ser preenchido com senso de culpa e senso de dever”. Ordena a Ganuli: “Seu moto será de agora em diante: quem comanda aqui é o Prof. Ruiz!”.
Contudo, o tratamento falha e depois de fingir sua regressão à infância, cantarolando uma música popular irritante, Gnauli revela que a injeção não fez nele o menor efeito: “Quem comanda aqui? São os doidos!”. Sentindo-se traído, Prof. Ruiz decide aterrorizar os pacientes, retirando os quadros de paisagens relaxantes das paredes e colocando em cada cômodo um enorme retrato seu com expressão ameaçadora. Além disso, gritando “eu sou a lei!”, ele suprime de cada louco sua fantasia querida: obriga as Loucas do Baralho a jogar com cartas; o Louco Escritor a ler Ultime lettere, de Jacopo Ortis, “para aprender a escrever”; e assim por diante.
Cose da pazzi fica a meio caminho da parábola política e da comédia ligeira: não falta o recuso ao Teremin para assinalar os momentos de loucura e os corredores brancos da clínica para sugerir um clima de claustrofobia. O Vale da Felicidade simboliza algo como a República de Weimar, onde nazistas e comunistas disputam o poder desestabilizando as instituições. Enquanto Ganeuli é o “comunista” que pretende instaurar a utopia de uma “nova sociedade” guiada pelos loucos, a seu ver “a luz do futuro”, Prof. Ruiz encarna o próprio Hitler ao impor o “princípio de realidade” pelo terror, com seu retrato em cada cômodo e seu Diktat: “Eu sou a lei!”. Para ele, “todos os homens são loucos, se ele não é hoje, será amanhã”. O retrato oficial de Hitler em todos os lares que seguiam a ordem totalitária era chamado de “anjo da casa” e tornou-se o tema do quadro House Angel (1937), de Max Ernst, onde uma criatura monstruosa executa uma selvagem “dança da morte”.
Já o “comunista” Gnauli, embora trate muito bem a nova interna Giulia, não quer sua permanência no manicômio: ele a percebe como “perfeitamente normal”. Para ele, até os criminosos que se dizem loucos para serem internados são farsantes. Idealista da loucura, Gnaudi quer proteger a pureza da “sociedade dos loucos” dos “loucos mistificadores”, que não são loucos. Para ele, os loucos são “o futuro da Terra” – algo como a vanguarda revolucionária – e só um louco pode saber quem é realmente louco. Por isso ele decide, com seus liderados, tomar o hospício de assalto e prender os psiquiatras: “A grande sabedoria dos loucos substituirá a loucura dos médicos”. Na ordem instaurada por Gnaudi, as fantasias dos loucos são restabelecidas, pois “todos têm direito à loucura” e “todos devem sorrir”.
Para coroar a nova sociedade, os loucos experimentam um novo “tratamento ritual”, afogando o Dr. Carlo no laguinho do jardim da clínica. Mas antes que isso ocorra, a amiga e o noivo de Giulia, que acabaram se apaixonando, chamam a polícia. As forças policiais restabelecem a ordem. Por seu lado, Giulia, que havia se enamorado na clínica pelo Dr. Carlo, quando a amiga revela sua “traição”, também revela seu novo amor, e conclui: “Um dia no hospício me impediu de cometer uma loucura.”. Já a polícia, na confusão que se arma entre loucos vestidos de médicos e médicos furiosos pela revolta dos pacientes, confunde o irado Prof. Ruiz com um dos loucos, e toma Gnaudi como o verdadeiro chefe da clínica: “As pessoas de gênio se reconhece logo.”. O filme termina com Gnaudi assumindo o papel do “anjo da casa”, trocando os quadros do Prof. Ruiz pelos seus, sugerindo uma identidade entre comunismo e nazismo, até certo ponto compartilhada pelo cineasta.
Der letzte Akt (O último ato, 1955)
Pabst aguardou uma década após a queda do regime nazista para voltar a fazer filmes na Alemanha – o primeiro deles foi Das Bekenntinis der Inna Kahr (As confissões de Inna Kahr, 1954) – e para abordar diretamente, sem alusões e metáforas, o período da guerra, primeiramente em Der letzte Akt (O último ato, 1955). Com a colaboração do escritor Eric Maria Remarque no roteiro, escrito a partir da novela do juiz Musmanno – que também colaborou no roteiro – o filme mostra os últimos dias da guerra em Berlim e a vida no Bunker, culminando com o suicídio de Hitler (Albin Skoda) e de Goebbels (Willy Krause), que leva junto a mulher e seus seis filhos pequenos. Oskar Werner interpreta um jovem oficial que diz a frase-chave da trama: “Nunca mais digam ‘sim, senhor’, pois foi assim que tudo começou.”. O velho “Papa vermelho” assumia aqui o caráter de um resistente antinazista, sem poder esconder o fato de que sua resistência chegava uma década atrasada.
Es geschah am 20. Juli (Aconteceu a 20 de julho, 1955)
Neste filme, o primeiro a levar às telas o atentado à vida de Hitler a 20 de julho de 1944 conduzido pelo Coronel Conde Claus von Stauffenberg (Bernhard Wicki), o cineasta procurou conferir maior autenticidade à sua reconstituição dramática inserindo cenas reais de cinejornais da época (as imagens apocalípticas do bombardeio de Berlim pelos Aliados) e um narrador “objetivo” (em voice over) comentando algumas cenas como num documentário.
Em que pese o rigor da reconstituição da conspiração dos generais, descontentes com os rumos da guerra, que culminou no atentado fracassado, seguido da precipitada e caótica “operação Valquíria” para a substituição das lideranças no poder sem que – erro fatal – se tivesse certeza da morte de Hitler, Pabst não introduziu no filme nenhuma reflexão mais profunda sobre o regime nazista, limitando-se a expor os acontecimentos históricos até a condenação à morte dos responsáveis pelo atentado.
Desprovido de emoção, com esparso uso da música, sem personagens cativantes, o filme se inicia com o espantoso comentário que dá o tom à narrativa: “Aparentemente, era um dia como qualquer outro. (Seguem-se imagens reais do bombardeio de Berlim). Diante do bombardeio do dia 20 de julho de 1944 – o inferno da guerra total – um grupo decide salvar os últimos restos de honra e prestígio da Alemanha no mundo.” Numa sala, em reunião secreta, um dos conspiradores exclama: “Não entendo essa visão curta! Os americanos deviam saber que se o Leste avançar a Europa está perdida!”.
Aqui Pabst demarca sua própria posição política: os dias que se sucediam na Alemanha nazista eram, a crer no comentário “objetivo” que transmite o ponto de vista do diretor, dias “normais” – é o bombardeio dos Aliados que interrompe essa “normalidade” instaurando o “anômalo”, quebrando o bom andamento da vida. A guerra total praticada pela Alemanha contra seus adversários só se torna um “inferno” quando os alemães a experimentam na carne. O nazismo é justificado por um dos conspiradores como a última barreira erguida pela civilização ocidental contra o avanço do comunismo: esses generais da “resistência” não eram exatamente contra o regime, mas contra a maneira como Hitler conduzia a guerra, levando a Alemanha a uma derrota certa e inevitável.
Como em Cose da pazzi, em cada cômodo das casas e repartições públicas do filme encontra-se afixado o “anjo de casa”: o retrato de Hitler. Este personagem não aparece em pessoa, apenas sua voz é ouvida na sala de reuniões pouco antes da detonação da bomba. Pabst usou novamente, após Der letzte Akt, para encarnar Joseph Goebbels, o sósia perfeito Willy Krause. O atentado contra Hitler falhou miseravelmente devido a uma série de circunstâncias imprevistas. No mesmo dia Mussolini era esperado em Berlim, e o Führer “não podia ser irritado” antes do encontro. O atentado estava previsto para o Bunker, mas como ele estava sendo reparado, com a mudança de cenário Stauffenberg, atrasado por alguns minutos, não pode mais aproximar-se tanto do Führer com a maleta, que também causaria maior destruição no ambiente mais fechado. Finalmente, ao retirar-se, deixando a maleta sob a mesa, alguém, ao tropeçar nela, a afasta mais um pouco do alvo, salvando assim, sem saber, a vida de Hitler.
Os conspiradores também são mostrados como imprudentes e arrogantes, dados a bravatas que, depois, não podem sustentar. Um oficial diz à secretária que informa que o Oficial de Propaganda quer saber quantos ingressos ele deseja para a estréia do filme do Dia do Partido do Reich: “Diga ao Oficial de Propagana que ele deve lamber meu cu!”. Outros dois descosturam as insígnias nazistas de seus uniformes apenas para, logo depois, ter de novamente costurá-las às pressas ao saberem que Hitler sobrevivera ao atentado. No filme, apenas Stauffenberg parece assumir um papel heróico, morrendo fuzilado e dizendo: “Viva a sagrada Alemanha!”. O narrador informa sobre o funda da parede cravejada de balas: “Foram as primeiras vítimas de 20 de julho. Milhares se seguiram no ódio cego de Hitler. E a guerra continuou. Milhões de homens, mulheres e crianças precisaram perder a vida em várias partes do mundo. Agora depende de nós se essas vítimas foram inúteis.”
O filme não dedica uma linha ao Holocausto. E parece que os “milhões de vidas perdidas em várias partes do mundo” lamentadas pelo comentador referem-se aos soldados alemães vitimados no último ano da guerra. Com Der letzte Akt e Es geschah am 20. Juli Pabst tentou assumir retrospectivamente uma postura crítica diante do nazismo. Mas sua duvidosa “resistência” – como duvidosa era a “resistência” dos generais conspiradores – chegava quando não era mais necessária. Agora incluído pelos críticos entre os “cineastas da má consciência”, Pabst não podia invocar sequer a “imigração interna”, alegada por aqueles que não se exilaram e alegaram terem sido “obrigados” a colaborar, uma vez que Pabst retornou do exílio para colaborar voluntariamente com o regime de Hitler.
Pasbt lançou-se ainda em alguns empreendimentos estranhos. Quis filmar a Odisséia com Greta Garbo em papel duplo, como Circe e Penélope. Foi a Roma tentar viabilizar a rodagem de uma cinebiografia do Papa Bonifácio VIII, contemporâneo de Dante, com Emil Jannings no papel-título – o ator mais prestigiado do cinema nazista havia retomado a carreira e se convertido ao catolicismo, mas morreu antes de assumir o papel. Os últimos projetos acalentados por Pabst intitulavam-se Herrscher, Fiesco, L’Histoire de Judith e Nathan, der Weise, este uma adaptação da obra de Lessing. A questão judaica parecia ainda atormentar sua consciência. Mas nenhum desses projetos pode ser realizado.
Durch die Wälder – durch die Auen (1956)
Depois de Rosen für Bettina (1956), o último filme de Pabst, e o seu primeiro em cores, Durch die Wälder – durch die Auen (“Através das florestas, através dos prados”, 1956), com roteiro de Walter Forster, F. M. Schilder e Peter Hamel, adaptado da novela Die romantische Reise des Herrn Carl Maria von Weber, de Hans Watzlik, assinala uma recaída em temas queridos do cinema nazista. O compositor Weber viaja para Praga com sua amante, a cantora Caroline Brandt e, hospedado no castelo Schwarzenbrunn, apresenta ao nobre anfitrião sua Romantische Symphonie (“Sinfonia romântica”). O conde, que até então só gostava de música italiana, percebe que a música alemã também era apreciável!
Com a melancólica retomada do culto aos “valores germânicos” num típico Heimatfilme, Pabst encerrou sua tão admirada quanto enganosa carreira no cinema. O cineasta ainda viveu para obter o reconhecimento oficial de sua obra na Alemanha através do prêmio Filmband in Gold, que ele recebeu em 1963. Georg Pabst morreu em Viena, a 30 de maio de 1967. Em 1997, foi homenageado por ocasião dos 30 anos de sua morte com uma grande retrospectiva na Berlinale. Considerado um “grande artista”, Pabst é reverenciado, sobretudo, pelos filmes que realizou na República de Weimar. Seu apoio ao nazismo – com o reforço estético ao extermínio dos judeus em Paracelsus – raramente é lembrado.
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Filmografia
Der Schatz (O tesouro, Alemanha, 1923, p&b, mudo, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Roteiro: Pabst e Willy Hennings, baseado numa novela de Rudolf Hans Bartsch. Cenários: Robert Herlth, Walter Röhrig. Com Albert Steinröck (o sineiro Svetocar Badalic), Lucie Mannheim (Beate, a filha do sineiro), Ilka Grünin (Anna, a esposa do sineiro), Werner Krauss (Svetelenz, o ajudante do sineiro), Hans Brausewetter (Arno, o jovem ferreiro). [DVD Arthaus Premium Edition.]
Gräfin Donelli / Countess Donelli [EUA] / La Contesse Donelli [França] (“A condessa Donelli”, Alemanha, 1924, p&b, mudo, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Produção: Maxim Films. Roteiro: Hans Kyser. Cenografia: Hermann Warm. Fotografia: Guido Seeber. Com Paul Hansen (Conde Donelli), Henny Porten (Mathilde, sua esposa), Friedrich Kayßler (Conde Bergheim), Eberhard Leithoff – Hellwig (Secretário Particular), Ferdinand von Alten (Barão von Trachwitz). Filme considerado perdido.
Die freudlose Gasse / The Joyless Street [EUA] (Rua das lágrimas, ou Rua sem alegria, Alemanha, 1925, p&b, mudo, drama social). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Roteiro: Willy Haas, a partir da novela de Hugo Bettauer. Fotografia: Guido Seeber. Com Asta Nielsen, Greta Garbo, Agnes Esterhazy, Werner Krauß, Karl Etlinger, Valeska Gert. Produção: Sofar-Film-Produktion, Berlin. Restauração: Filmmuseum München. Edição: Jan-Christopher Horak, Gerhard Ullmann, Klaus Volkmer. [DVD Filmmuseum München.]
Geheiminesse einer Seele / Secrets of a Soul. A Psychoanalytic Thriller [EUA] (Segredos de uma alma, Alemanha, 1926, p&b, mudo, drama psicanalítico). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Renata Brausewetter, Ilka Gruning. [DVD Kino Vídeo.]
Der Liebe der Jeanne Ney / The Love of Jeanne Ney [EUA] (O amor de Jeanne Ney, Alemanha, 1927, 113’, p&b, mudo, drama romântico). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Brigitte Helm, Fritz Rasp. [DVD Kino Vídeo.]
Abwege / Begierde [Áustria] / Crise [França] (“Crise”, Alemanha, 1928, 107’ ou 98’ na versão restaurada em 1998, p&b, mudo drama, romance). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Edição: Pabst, Marc Sorkin. Produção: Deutsche Universal-Film. Roteiro: Adolf Lantz, Ladislaus Vajda, Helen Gosewish, a partir de uma ideia de Franz Schulz. Com Gustav Diessl (Thomas Beck, advogado), Brigitte Helm (Irene Beck, sua esposa), Hertha von Walther (Liane, sua amiga), Jack Trevor (Walter Frank, pintor), Fritz Odemar (Möller, Conselheiro do governo), Nico Turoff (Sam Taylor, Boxiador), Ilse Bachmann (Anita Haldern), Richard Sora (André), Peter C. Leska (Robert).
Die Büchse der Pandora / Pandora’s Box [EUA] (Lulu, ou A caixa de Pandora, Alemanha, 1929, p&b, mudo, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Louise Brooks, Fritz Kortner, Francis Lederer, Carl Goetz, Krafft-Raschig. [DVD The Criterion Collection.]
Die weiße Hoelle Vom Piz Palü / The White Hell of Pitz Palu [EUA] (O inferno branco de Piz Palü, Alemanha, 1929, p&b, mudo, drama, Bergfilm). Direção: Arnold Fanck e Georg Wilhelm Pabst. Com Gustav Diessl, Leni Riefenstahl. [DVD Arte.]
Tagebuch einer Verlorenen, ou Das Tagebuch einer Verlorenen / Diary of a Lost Girl [EUA] (Três páginas de um diário, ou Diário de uma garota perdida, Alemanha, 1929, p&b, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Louise Brooks, Fritz Rasp. [DVD Magnus Opus]
Vier von der Infanterie, ou Westfront 1918 / The Western Front 1918 [EUA] (Guerra, flagelo de Deus, Alemanha, 1930, 75’, 93’ ou 97’, p&b, mudo, drama, guerra). Direção: Georg Whilhelm Pabst. Produção: Nero-Film. Com Fritz Kampers, Gustav Diessl (Karl), Hans-Joachim Moebis (O Estudante), Claus Clausen (O Tenente), Jackie Monnier (Yvette), Hanna Hoessrich (esposa de Karl), Else Heller (mãe de Karl). [DVD Ufa.]
Skandal um Eva / Scandale autour d’Eva [França] (“Escândalo em torno de Eva”, Alemanha, 1930, 96’, p&b, mudo, drama). Direção: Georg Whilhelm Pabst. Roteiro: Friedrich Raff, a partir da peça de Heinrich Ilgenstein. Com Henny Porten (Dra. Eva Rüttgers), Oskar Sima (Dr. Kurt Hiller), Ludwig Stössel (Diretor Rohrbach), Paul Henckels (Professor Hagen), Adele Sandrock (Vulpius).
Prix de Beauté, ou Miss Europe (“Prêmio de Beleza”, França, 1930, p&b, drama). Direção: Augusto Genina. Roteiro: René Clair, G. W. Pabst. Com Louise Brooks, Georges Charlia, Augusto Bandini.
Die Dreigröschenoper / The Threepenny Opera, ou The 3 Penny Opera [EUA] (A ópera dos três vinténs, Alemanha, 1931, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Rudolf Forster, Carola Neher, Reinhold Schünzel, Fritz Rasp, Valeska Gert, Lotte Lenya, Hermann Thimig, Ernst Busch. [DVD The Criterion Collection.]
Kameradschaft / Comradeship [EUA] (Camaradagem, Alemanha, 1931, p&b, drama, aventura). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Fritz Kampers, Ernst Busch, Alexander Granach. [DVD Ufa.]
Die Herrin von Atlantis / The Mistress of Atlantis [EUA] / L’Atlantide [França] (Atlântida, Alemanha / França, 1932, 89’, p&b, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Produção: Nero-Filme / SIC. Roteiro: Ladislau Vajda, Hermann Obserlander, Alexandre Arnoux, a partir do romance de Pierre Bonoît. Música: Wolfganf Zeller. Com Brigitte Helm (Antinéa), Pierre Blanchar (Capitão Saint-Avit), Jean Angelo (Capitão Morhange), Florelle (Clémentine), Gertrude Pabst (Jornalista), George Tourrell (Tenente Ferrières), Wladimir Sokoloff (Administrador), Mathias Wiemann (Ivar Torstenson), Tela-Tchai (Tanit Zerga). Cenografia: Mtzner. [DVD mk2 Box L’Atlantide.]
Don Quixote / Don Quichotte [Alemanha] / Adventures of D. Quixote [EUA] (Dom Quixote, França / Inglaterra, 1933, p&b, drama, histórico). Direção: George Wilhelm Pabst. Com Feodor Chaliapin, George Robey.
Cette nuit-là / That Night [EUA] (“Esta noite”, Alemanha / França, 1933, p&b, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst, Marc Sorkin. Roteiro: Henry d’Erlanger, a partir da peça de Lajos Zilahy. Com Madeleine Soria (Madame de Lovat), Lucien Rozenberg (Comissário), William Aguet (Balkany), Camille Bert (Monsieur de Lovat), Hubert Daix (Cineasta), Colette Darfeuil (Yolande), Louisa de Mornand (Madame Demokos), Paulette Dubost (Alice), Pedro Elviro / Pitouto (Antonio), Pierre Etchepare (Gerente), Georges Flateau (O Homem), Heritza (A Princesa).
Du haut en bas / From Top to Bottom [EUA] (França, 1934, 79’, p&b comédia). Georg Wilhelm Pabst. Produção: Tobis Filmkunst. Roteiro: Leslie Bush-Fekete, a partir de sua peça. Com Ariane Borg, Pauline Carton (Costureira), Janine Crispin (Marie de Ferstel), Christiane Delyne, Jean Gabin (Charles Boulla), Catherine Hessling (Garota Apaixonada), Margo Lion (Madame Binder, a proprietária), Peter Lorre (O Mendigo), Milly Mathis (Poldi), Mauricet (Monsieur Binder), Michel Simon (Monsieur Bodeletz), Vladimir Sokoloff (Monsieur Berger).
A Modern Hero (Moderno herói, EUA, 1934, p&b, drama). Com Richard Barthelmess, Jean Muir.
White Hunter (“Caçador branco”, EUA, 1935, p&b, drama). Com Warner Baxter, Gail Patrick.
Mademoiselle Docteur / Salonique nid d’espions (Espiã da Grande Guerra, França, 1936, p&b, melodrama, histórico). Com Pierre Fresnay, Viviane Romance.
Le drame de Shanghai / Il dramma di Shanghai [Itália] (O drama de Xangai, França, 1938, p&b, melodrama, histórico). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Raymond Rouleau (Franchon), Christl Mardayn (Kay Murpy), Louis Jouvet (Ivan). [DVD kstorm.]
Jeunes filles em détresse (A lei sagrada, França, 1939, p&b, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Micheline Presle, Marguerite Moreno.
L’esclave blanche (“A escrava branca”, França, 1939, 98’, comédia, drama). Direção: Marc Sorkin, Georg Wilhelm Pabst. Roteiro: Lilo Dammert, Léo Lania. Com John Lodge (Vedad Bey), Viviane Romance, (Mireille), Marcel Dalio (sultão Soliman).
Feuertaufe (Batismo de fogo, 1940, p&b, DOC-PROP-NS). Direção: Fritz Hippler. Direção Técnica: Hans Bertram. Edição: Georg Wilhelm Pabst.
Komödianten / Les comédiens [França] (“Atores”, Alemanha / Áustria, 1941, p&b, drama, histórico). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Roteiro: Axel Eggebrecht, Walter von Hollander e Pabst, com base no romance Philine, de Olly Boeheim. Com Käthe Dorsch (Karoline Neuber), Hilde Krahl (Philine Schröde), (Ludwig Schmitz (Bufão Muller, o “Hanswurst”), Harry Langewisch (Johann Christoph Gottsched), Henny Porten (Amália de Weissenfels), Richard Haussler (Tenente Armin Perckhammer).
Paracelsus / Paracelse [França] (“Paracelso”, Alemanha / Áustria, 1943, p&b, drama, histórico). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Roteiro: Kurt Heuser e Pabst, com base na novela König der Ärzte, de Pert Peternell. Com Werner Krauss (Paracelsus), Harry Langewisch (Hans Pfefferkorn), Rudolf Blümner (Froben von Höchdrich), Fritz Rasp (Magister), Martin Urtel (Johannes), Harald Kreutzberg (Flíegenbeín).
Tiefland (“Terra baixa”, ou “Planície”, Alemanha, 1940-1954). Direção: Leni Riefenstahl. Assistências de Direção não creditadas: Harald Reinl, Mathias Wiemann, Georg Wilhelm Pabst, Arnold Fanck, Veit Harlan, Arthur Maria Rabenalt.
Der Fall Molander / Le cas Molander [França] (“O caso Molander”, Alemanha, 1945-1949, p&b, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Walter Frank, Walter Gross, Paul Wagner, Irene von Meyendorff.
Der Process / Le procès [França] (“O processo”, Alemanha, 1948, p&b, drama, histórico). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Maria Eis, Ewald Balser.
Geheimnisvolle Tiefe / Profondeurs mystérieuses [França] (“Profundezas cheias de segredos”, Áustria, 1948, p&b, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Paul Hubschmid, Ilse Werner.
Duell mit dem Tod (“Duelo com a morte”, Áustria, 1949, 114’, p&b, drama). Direção: Paul May. Roteiro: Paul May, Georg Wilhelm Pabst. Com Rolf von Nauckhoff (Dr. Ernst Romberg), Annelies Reinhold (Maria Romberg), Fritz Hinz-Fabricius (Pároco Menhardt).
1-2-3-Aus! (1949). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Observação: encontramos este título numa filmografia de Pabst, mas nenhuma confirmação em outras filmografias ou qualquer informação adicional, nem mesmo no site IMDB.
Ruf aus dem Äther (Áustria, 1951, 82’, p&b, policial, drama). Direção: Georg C. Klaren, Georg Wilhelm Pabst. Roteiro: Kurt Heuser, J. Melkich. Com Oskar Werner, Lucia Scharf and Fritz Imhoff.
La voce del silenzo / La maison du silence [França] (A voz do silêncio, Itália, 1952, p&b, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Aldo Fabrizi, Jean Marais.
Cose da pazzi / Affaires de fous [França] (“Coisas de louco”, Itália, 1954, 82’, p&b, comédia). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Roteiro: Leo Lania, Bruno Valeri, Bruno Paolinelli, Pabst. Fotografia: Mario Bava. Produção: Bruno Paolinelli / Kronos Film.Com Aldo Fabrizi (Gnauli), Carla Del Poggio (Delia), Enrico Luzi (Dr. Carlo Forti), Enrico Viarisio (Prof. Ruiz), Rita Giannuzzi (Silvia), Lia Di Leo (Enfermeira), Lianella Carell (Diomira), Joohn Stacy (Sr. Giudi), Laura Gore (Louca da Moda), Marco Tulli (Louco das Máquinas), Enzo Maggio (Louco dos Óculos), Mimo Billi (Louco do Telefone), Oscar Andriani (Louco das Cartas), Arturo Bragaglia (Louco da Pesca), Germana Paolieri (Marquesa del Monte), Nietta Zocchi (Condessa Orizzontaletti), Maria Donati (Bianca Belli). [DVD RHV.]
Das Bekenntinis der Inna Kahr / Afraid to Love [EUA] / Le destructeur [França] / A confissão de Ina Kahr [Portugal] (As confissões de Inna Kahr, Alemanha, 1954, 111’, p&b, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Curd Jurgens, Elisabeth Müller, Albert Lieven.
Der letzte Akt (O último ato, Alemanha, 1955, 113’, p&b, drama, histórico, guerra). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Roteiro: Fritz Habeck e Erich Maria Remarque, a partir da novela Ten Days To Die, de Michael Musmanno. Fotografia: Günther Anders. Com Albin Skoda (Adolf Hitler), Oskar Werner (Capitão Wüst), Lotte Tobisch (Eva Braun), Willy Krause (Joseph Goebbels), Erich Stuckmann (Heinrich Himmler), Erland Erlandsen (Albert Speer), Curt Eilers (Martin Bormann), Leopold Hainisch (General Wilhelm Keitel), Otto Schmöle (General Alfred Jodl), Herbert Herbe (General Hans Krebs), Hannes Schiel (Chefe SS Otto Günsche), Erik Frey (General Wilhelm Burgdorf), Otto Wögerer (General Robert Ritter von Greim).
Es geschah am 20. Juli, ou Aufstand gegen Adolf Hitler! / It Happened on July 20th [EUA] (Aconteceu em 20 de julho, Alemanha, 1955, 73’, p&b, drama, suspense, guerra). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Roteiro: Werner Zibaso, Gustav Machaty. Com Bernhard Wicki (Coronel Conde Claus von Stauffenberg), Karl Ludwig Diehl (Beck), Erik Frey (Olbricht), Kurt Meisel (Obergruppenführer), Carl Wery (Fromm), Albert Hehn (General Remer), Lina Cartens (Sra. Küster), Willy Krause (Joseph Goebbels). [DVD Atlas.]
Rosen für Bettina / Licht in der Finsternis (“Rosas para Bettina”, Alemanha, 1956, 95’, p&b, drama). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Com Willy Birgel, Elizabeth Muller, Ivan Desny.
Durch die Wälder durch die Auen (“Através das florestas, através dos prados”, Alemanha, 1956, 98’, cor, drama, musical, histórico). Direção: Georg Wilhelm Pabst. Roteiro: Walter Forster, F. M. Schilder e Peter Hamel, a partir da novela Die romantische Reise des Herrn Carl Maria von Weber, de Hans Watzlik. Com Eva Bartok (Caroline Brandt), Peter Arens (Carl Maria von Weber).
Sobre Pabst
Erinnerungen des Regieassistenten / Memoires of assistant director (Alemanha, 49’, doc). Direção: Mark Sorkin.
Der andere Blick / The Other Eye (Áustria / EUA, 1991, 111’). Direção, Roteiro: Hannah Heer, Werner Schmiedel. Fotografia: Hannah Heer. Com Rudolf S. Joseph, Jan-Christopher Horak, Michael Pabst, Harold Nebenzal, Hilde Krahl, Micheline Presle. Produção: Thalia-Film GmbH, Vienna / River Lights Pictures Inc., New York. Versão revista para DVD (2009).
Pabst wieder sehen / Reviewing Pabst (Alemanha, 1997, 21’, doc). Direção: Martin Koerber, Wolfgang Jacobsen, René Perraudin. Roteiro: Martin Koerber, Wolfgang Jacobsen. Fotografia: René Perraudin. Com Jan-Christopher Horak, Klaus Volkmer, Gerhard Ullmann, Nicola Mazzanti, Gian Luca Farinelli. Produção: Eikon-Film, Berlin / ZDF / arte.
[2] Produzido no auge do expressionismo, e considerado há muito tempo como perdido, I.N.R.I teve uma cópia completa em 16mm descoberta nos arquivos da Cineteca del Friuli na Itália em 1999 e outra, menos completa, mas em 35mm e tintada, no Japão. Esta última foi exibida na Cinemateca de Tóquio em 2006. Cf. ‘I.N.R.I.’, http://www.imdb.com/title/tt0014146/trivia.
[3] MITRY, Histoire du Cinéma, v. IV, p. 141.
[4] CANFORA, Livro e liberdade, p. 11-25.
[6] Film, in Philo Lexikon, p. 191-192, apud DREWNIAK, Der deutsche Film 1938-1945, p. 66.
[7] ALTWELL, G. W. Pabst, p. 66.
[8] PABST apud ATWELL, G. W. Pabst, p. 121.
[9] PABST apud ATWELL, G. W. Pabst, p. 121-123.
[10] Leo Lania (Lazar Herman, 1896-1961) colaborou no jornal socialista Arbeiter-Zeitung (1915) até voluntariar-se ao serviço militar para lutar no front oriental. Após a guerra, militou no Partido Comunista da Áustria e foi redator do Die Rote Fahne. Camuflado de italiano fascista, acercou-se de Hitler em 1923, publicando uma das primeiras entrevistas com o político a ganhar atenção mundial. Envolveu-se no coletivo teatral de Erwin Piscator em 1927 e escreveu comédias centradas na economia com música de Kurt Weill. Em 1932 exilou-se na Áustria, seguindo em 1933 para a França. Em 1939 foi preso até fugir em 1940 para o sul da França, emigrando em seguida para os EUA, onde trabalhou para o Escritório de Informações de Guerra. Retornou à Alemanha na década de 1950, instalando-se em Munique. Entre seus livros, destaca-se uma biografia de Ernest Hemingway.
[11] LANIA apud ATWELL, G. W. Pabst, p. 121-128.
[12] OSER, Jean, in BACHMANN, Gideon (org.). Six talks on Pabst. Cinemages, n. 3, 1955, p. 63.
[13] FORD, Charles. Leni Riefenstahl. München: Wilhelm Heyne, 1978, p. 119.
[14] A grande atriz deveria, a princípio, interpretar o papel de Karoline, mas devido à sua não-separação de seu marido judeu foi aqui mais uma vez humilhada a desempenhar um papel secundário.
[15] A agonizante Neuberin faz aqui um trocadilho irônico com o nome de seu “inimigo”, o bufão Hanswurt, e a palavra Wurst (salsicha).
[16] GOEBBELS apud CADARS; COURTARDE, p. 101.
[17] Pasta “G. W. Pabst”, Filmarchiv, Bundesarchiv, Berlim.
[18] RUPPELT, Analyse des nationalsozialistischen Spielfilms ‘Paracelsus’.
[19] Como o filme foi lançado em 1943, se a alusão dos sete anos for “atual”, Fliegenbein teria andado, metaforicamente, desde 1935, quando as Leis Raciais de Nuremberg foram decretadas.
[20] BENZENHÖFER, (org.), “Propaganda des Herzens – Zum ‘Paracelsus’ – Film von Georg W. Pabst”, in BENZENHÖFER; ECKART (org.), Medizin im Spielfilm des Nationalsozialismus, p. 52-59.
[21] PARACELSUS, “Pansophische, Magisce und Cabalische Schriften – Vom den monstrosischen Zeichen der Menschen”, in Gesamtwerke, v. V, p. 104-106.
[22] PARACELSUS, “De ordine doni”, in Gesamtwerke, v. IV, p. 5-6 e 244.
[23] PARACELSUS, “Das Buch Paragranum”, in Gesamtwerke, v. I, p. 500-501.
[24] PARACELSUS, “Bertheonia”, in Gesamtwerke, v. 1, p. 8.
[25] PARACELSUS, “Das Buch Paragranum”, in Gesamtwerke, v. 1, p. 521.
[26] ROSENBERG apud CADARS; COURTADE, Histoire du cinéma nazi.
[27] DREWNIAK, Der deustche Film 1938-1945, p. 204.
[28] LEISER, ‘Deutschland erwache!’, p. 97.
[29] O escritor Friedrich Schiller, em Friedrich Schiller – Triumph eines Genies (1940), de Herbert Maisch; a atriz Neuberin e o dramaturgo Gotthold Ephraim Lessing em Komödianten (1941), de Pabst; o escultor Andreas Schlüter, em Andreas Schlüter (1942), de Herbert Maisch; o pintor Rembrandt, em Ewiger Rembrandt (1942), de Hans Steinhoff; os compositores Robert Schumann, em Träumerei (1944), de Harald Braun; Johan Sebastian Bach e Wolfgang Amadeus Mozart, em Eine kleine Nachtmusik (1940), de Leopold Hainisch; Mozart e Ludwig van Beethoven, em Wer die Götter lieben (1942), de Karl Hartl; Friedmann Bach e Johan Sebastian Bach, em Friedmann Bach (1941), de Taugott Müller e Gustaf Gründgens; os inventores Peter Henlein, em Das unsterbliche Herz (1939), de Veit Harlan; Wilhelm Bauer, em Geheimakte W.B.1 (1942), de Herbert Selpin; e Rudolf Diesel, em Diesel (1942), de Gerhard Lamprecht; o Rei Frederico, em Der große König (1942), de Veit Harlan; o colonizador Carl Peters, em Carl Peters (1941), de Herbert Selpin; o construtor de fortalezas Dietrich von Rödern, em Die Affaire Rödern (1944), de Erich Waschneck; o economista Friedrich List, em Der unendliche Weg (1943), de Hans Schweikart; o estadista Bismarck, em Bismarck (1940) e Die Entlassung (1942), de Wolfgang Liebeneiner; o prefeito Karl Lueger, em Wien 1910 (1943), de E. W. Emo; o médico Robert Koch, em Robert Koch, der Bekämpfer des Todes (1939), de Hans Steinhoff.
[30] Como Die ewige Maske (1935), de Werner Hochbaum; Arzt aus Leidenschaft (1936), de Hans Zerlett; La Habanera (1937), de Detlef Sierck, Robert Koch, der Bekämpfer des Todes (1939), de Hans Steinhoff; ou Das Herz muß schweigen (1944), de Gustav Ucicky, entre tantos outros.
[31] WITTE, “How Nazi cinema mobilizes the classics”, in RESTSCHLER (org.), German Film & Literature, p. 103-115.
[32] ATWELL, G. W. Pabst, p. 126-127.
[33] LENNIG apud DREWNIAK, Der deutsche Film 1938-1945, p. 204.
[34] CADARS; COURTADE, Histoire du cinéma nazi, p. 101.
[35] HULL, Film in the Third Reich, p. 246.
[36] MERTENS (org.), Filmprogramme. Ein Querschnitte durch das Deutsche Filmschaffen, v. II.
[37] MIHAL-FRIEDMAN, “Ecce Ingenium Teutonicum – ‘Paracelsus’ (1943)”, in RENTSCHLER (org.), The Films of G. W. Pabst, p. 196.
[38] BENZENHÖFER, “Propaganda des Herzens – Zum ‘Paracelsu’-Film von Georg W. Pabst”, in BENZENHÖFER; ECKART (org.), Medizin im Spielfilm des Nationalsozialismus, p. 68, nota 45.
[39] CONTI, Paracelsus und wir, 1943, Pasta “G. W. Pabst”, Filmarchiv, Bundesarchiv, Berlim
[40] WISTRICH, Wer war wer im Dritten Reich?, p. 52; MITSCHERLICH; MIELKE, Medizin ohne Menschlichkeit, p. 203; LIFTON, Ärtze im Dritte Reich, p. 80-81; KLEE (org.), Dokumente zur ‘Euthanasie’, p. 270; PROCTOR, Racial Hygiene – Medicine under the Nazis, p. 189.
[41] PARACELSUS apud Paracelsus, Release original, Pasta “G. W. Pabst”, Filmarchiv, Bundesarchiv, Berlim.
[42] DREWNIAK, Boguslaw. Der Deutsche Film 1938-1945, p. 165.
[43] HULL, Films in the Third Reich, p. 248.
[44] PRÜMM, “Dark Shadows and a Pale Victory of Reason: The Trial (1948)”, in RENSTCHLER (org.), The Films of G. W. Pabst, p. 227.
[45] BUACHE, G. W. Pabst.
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